28.2.2024

Muvuca de sementes: conheça a técnica que recupera florestas degradadas e gera ganhos sociais

Além de restaurar a vegetação, a técnica contribui para o cumprimento do Acordo de Paris

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Escrito por
Luana Neves
fotografia
Uma mulher agachada usando um chapéu plantando uma muda no solo
Foto:
Dmitry Dreyer/ Unsplash
Indígenas e quilombolas são responsáveis por contribuir com a técnica de recuperação de biomas degradados

A restauração florestal é uma solução para o Brasil conseguir recuperar 12 milhões de hectares de florestas e vegetações nativas, meta estabelecida no Acordo de Paris em 2015. Ao mesmo tempo em que diversos projetos ambientais trabalham para atingir esse resultado, o desmatamento dos biomas brasileiros continua a ser um desafio que precisa ser superado. 

Só no ano passado, foram desmatados mais de 5.151 km² na Amazônia, metade do que foi derrubado em 2022. Apesar da diminuição, o número vem sofrendo um grande aumento seguido desde 2019. Já no Cerrado, segundo maior bioma brasileiro, a taxa de desmatamento subiu 43% em 2023, chegando a 7.828 km² de área desmatada. 

É nesses biomas que algumas iniciativas, buscando contornar um cenário sem solução aparente, estão promovendo a restauração florestal. A ideia é resgatar os milhões de hectares perdidos, mas que possuem um potencial de serem recuperados. Os projetos se estendem para além do campo ambiental ao oferecerem um retorno para as pessoas que trabalham ajudando o meio ambiente.

É o caso da Iniciativa Caminhos da Semente, ação coordenada pela organização Agroicone, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) e a Embrapa, que desde 2019 coloca em prática a técnica de reflorestamento conhecida como "muvuca de sementes" por todo o Brasil. Também chamada de semeadura direta, a "muvuca" faz uma mistura de sementes espalhada na terra para tentar chegar o mais próximo possível ao comportamento da floresta devastada.

Mais efetiva em termos de reflorestação, a semeadura direta se destaca por ser barata, trazer ganhos econômicos e sociais e ser eficaz na restauração de biomas. 

Normalmente, o reflorestamento é feito com mudas cultivadas em uma estufa e plantadas no solo. Mas na muvuca são utilizadas sementes escolhidas a dedo, um verdadeiro “mix de sementes”, que serão jogadas diretamente na terra.

De acordo com a ONG Rede de Sementes do Xingu, 80 quilos de muvuca fazem nascer uma floresta de 4.000 árvores em três anos, quando feitos dentro de apenas um hectare. A organização Caminhos da Semente utiliza de 20 a 40 quilos por hectare, podendo chegar a até 80 quilos se somar com as espécies de adubação verde — espécies não nativas utilizadas para dar início ao processo de muvuca.

“Elas são fundamentais para criar uma condição inicial para as espécies nativas, por exemplo o feijão de porco, feijão guandu, gergelim, maracujá e abóbora”, explicou o engenheiro florestal e especialista em restauração ecológica da Agroicone, Edézio Miranda.

Para conseguir o “mix”, coletores locais, como indígenas e quilombolas, vão em busca de diferentes espécies de sementes para comercializar com empresas, viveiros e projetos de restauração. Segundo Miranda, o coletor, após vender as sementes recolhidas, pode, dessa forma, complementar a renda própria.

“Ele consegue adquirir um carro, uma moto que vai melhorar a condição dele para ir coletar as próprias sementes ou levar os produtos que ele já faz a comercialização. A qualidade de vida também melhora, pois ele consegue comprar uma geladeira melhor ou uma televisão para dentro de casa”, ressaltou Miranda.

Atualmente, são mais de mil coletores de sementes atuando no projeto, sendo 60% da equipe composta por mulheres que, por meio do trabalho da colheita, conseguem gerar uma renda maior para si mesmas e para a família.

Imprevisibilidade climática

Para transformar o amontoado de sementes em florestas, os coletores precisam recolher uma grande quantidade de grãos, plantados em larga escala através do uso de máquinas.

Para Miranda, da Agroicone, uma larga diversidade de sementes garante que haja variabilidade genética, condição fundamental em meio às mudanças climáticas.

"Hoje temos uma necessidade de ter uma resiliência maior dessas espécies nas áreas que a gente está plantando, principalmente pela falta de chuvas que já estão tendo alguns impactos.”

Nas palavras do biólogo, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e especialista em ecologia da restauração, José Marcelo Torezan, as alterações climáticas podem ser um entrave no processo de reflorestamento.  

“Pode ter secas fora de época e excesso de chuva em outros períodos. As secas fora de época são um problema para a semeadura direta, porque precisa de chuvas para que as sementes possam germinar. E se vem uma seca que se prolonga, ela vai acabar afetando a germinação, o que diminui a probabilidade de sucesso dessa técnica”, disse.

Como começou

A técnica ancestral e indígena é uma transmissão de saberes de coletor para coletor. No Brasil, ela começou a ser disseminada pelo ISA em 2006, nas bacias do Rio Xingu, quando o instituto percebeu que era possível utilizar o maquinário agrícola para dispersar as sementes em áreas extremamente degradadas. 

O Rio Xingu nasce no Cerrado e deságua na floresta Amazônica. Essa é uma região com uma biodiversidade bastante rica e que abriga terras indígenas e unidades de conservação. 

No entanto, o Xingu é palco de conflitos baseados em atividades predatórias, como o desmatamento, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos, garimpo, exploração ilegal de madeireiras e construção de hidrelétricas.

Por isso, a recuperação florestal protege não apenas as florestas e os povos que vivem nela, mas também os rios e nascentes da região. 

“Hoje, lá é um dos maiores pontos de referência da semeadura direta de restauração de florestas”, afirmou Miranda.

Contudo, apesar da muvuca ser extremamente vantajosa para restaurar florestas tropicais, como a Amazônia e a Mata Atlântica, é preciso ter uma grande quantidade de sementes disponíveis para não causar nenhum impacto no meio ambiente.

“Nas paisagens muito fragmentadas da Mata Atlântica, do Sudeste, a coleta de sementes em grande quantidade pode se tornar um impacto. Quando você tira uma semente da natureza, também está afetando a população da própria planta que produziu aquela semente”, reforçou Torezan.

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escrito por
Luana Neves
Luana Neves
É estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estagiária no Nosso Impacto
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Luana Neves
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