15.01.2024

Como a produção sustentável de alimentos pode proteger a Mata Atlântica

No período entre 2019 e 2020, mais de 13.000 hectares foram desmatados no bioma
Foto: Vinícius Bustamante/ Unsplash
Árvores verdes na montanha sob o céu azul durante o dia

Jabuticaba, cambuci e pitanga: essas frutas, presentes no dia a dia dos brasileiros, são nativas da Mata Atlântica. Embora sejam parte da cultura nacional, elas representam uma região marcada por décadas de exploração e que passa por graves problemas de desmatamento. Com a manutenção das florestas em risco, soluções envolvendo o cultivo de frutos mostram o caminho para salvar um dos biomas mais ameaçados do país.

De acordo com um levantamento feito pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), 88% da vegetação original foi perdida desde o início da colonização. 

No período entre 2019 e 2020, mais de 13.000 hectares foram desmatados na região. Esse número sofreu um aumento significativo de 60% entre 2020 e 2021. No ano seguinte, houve uma leve queda de 0,7%. Mesmo assim, o número permanece alto, com mais de 20.000 hectares desmatados.

Dentro desse contexto de devastação, a produção de alimentos pode ser uma forma de manter as florestas em pé. Para efeito de comparação, um estudo de 2021 da The Nature Conservancy (TNC) mostrou que as cadeias produtivas de alimentos no Pará, estado da Amazônia, podem gerar mais de 170 bilhões de reais em renda em 2024. 

Embora não haja uma grande extensão de terra para se explorar na Mata Atlântica, algumas iniciativas que trabalham com essa solução prometem reverter a degradação do bioma. 

O engenheiro florestal e líder da estratégia de restauração florestal na TNC, Rubens Benini, conta que há sete anos a instituição gera renda com a exploração de produtos alimentícios de forma sustentável. 

É o caso da palmeira Juçara, semelhante ao açaí amazônico. “A maioria dos fragmentos que foram desmatados, hoje estão voltando”, afirma Benini. “A gente tem utilizado a técnica de muvuca, que envolve misturar várias sementes e plantar diretamente no solo”, completa.

Em um cenário ideal, reverter esta realidade de degradação significa gerar mais empregos. De acordo com um estudo de 2022 da revista People and Nature, a recuperação de 100 hectares resultaria na geração de 42 novos postos de trabalho em atividades associadas à coleta de sementes, produção de mudas, plantio, manutenção de áreas e assistência técnica.

Segundo a bióloga e chefe de captação de recursos e desenvolvimento institucional do Instituto Terra, Carolina Sampaio, a instituição contratou oito pessoas em 2023 para trabalhar nesse setor.  

Além disso, a restauração tem o poder de promover a segurança alimentar no país. Atualmente, o bioma é responsável pela produção de metade dos alimentos consumidos no Brasil, conforme expôs um relatório de 2022 da Fundação SOS Mata Atlântica. 

“Queremos conciliar a restauração com políticas públicas, como o PNAE, o Programa Nacional de Abastecimento Escolar, nas merendas infantis. Esse é um instrumento importante para garantir a comercialização desses produtos”, ressalta Benini.

Ainda assim, o engenheiro destaca que o desafio agora é reverter a degradação das florestas. Para ele, “a sociobioeconomia pode ajudar a restaurar parte dessas áreas degradadas”. 

A palavra se refere à produção sustentável de produtos da biodiversidade, contribuindo para o desenvolvimento econômico da região. Espécies de árvores frutíferas como o café e o cacau também são usados para o plantio. 

“Temos um viveiro de mudas que produz 500 mil mudas por ano”, afirma Sampaio, do Instituto Terra. A Mata Atlântica é o bioma mais desmatado do país, com apenas 12% de sua vegetação original preservada. 

O plantio de café, além de ser uma estratégia de agricultura sustentável, também contribui para a restauração do meio ambiente e para a conservação de espécies de animais.  

Apesar de abrigar mais de 261 espécies de mamíferos, muitas exclusivas desse ambiente, esse ecossistema é considerado o bioma brasileiro com maior número de espécies de plantas e animais ameaçados de extinção no país, segundo o IBGE.

Enquanto isso, a recuperação das áreas degradadas é a chave para salvar as espécies. Sampaio explica que os sistemas agroflorestais podem “ser possíveis habitats para a fauna e propiciar alojamento e estadia para espécies de insetos, artrópodes e outros grupos de animais.”

Uma das prioridades internacionais

A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, durante a 15ª edição da Conferência das Partes (COP15), em 2009, a recuperação do bioma como uma das dez iniciativas de referência da Década da Restauração de Ecossistemas, com início em 2021. Essa é uma tentativa da ONU de inspirar e apoiar diferentes setores da sociedade para colaborar com iniciativas de restauração em todo o mundo.

Uma pesquisa realizada este ano pela Fundação SOS Mata Atlântica, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontou que apenas 0,9% das perdas florestais se deram em áreas protegidas, enquanto 73% ocorreram em terras privadas.

Assim, implementar sistemas agroflorestais representa uma promessa para ajudar a amortecer as mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, melhorar a sustentabilidade.

Histórico de sucesso

A técnica também é aplicada para reverter a devastação de outros ecossistemas. No Cerrado, por exemplo, a castanha de baru tem sido usada para proteger o bioma, além de gerar renda. 

Atualmente, quase metade da produção do fruto é vendida para o exterior, segundo artigo publicado na revista de pesquisas especializada em mercados, Fact.MR. 25% da produção vai para Europa e outros 22% para os Estados Unidos. 

Apesar de ser uma excelente alternativa, a sociobioeconomia precisa de incentivos para se desenvolver. Para Benini, o interesse existe, mas a demanda tem que ser desenvolvida, pois ela está atrelada a pequenos produtores rurais. 

“Há um enorme potencial de comercialização e de produção. Com o estímulo ao ciclo completo, é possível produzir e vender. Se considerarmos somente o eixo Rio-São Paulo, temos 40 milhões de pessoas para alimentar”, disse ele. 

É estudante de jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estagiária no Nosso Impacto

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