No último dia 19, associações de produtores, exportadores e organizações da sociedade civil entregaram ao Ministério de Agricultura e Pecuária uma proposta para uma política de regulamentação da pecuária bovina. De acordo com as organizações participantes, a ideia é ampliar o olhar sobre os desafios da pecuária brasileira para além da adequação comercial em relação às restrições implementadas pela União Europeia a partir de janeiro de 2025.
Resumidamente, a atividade econômica da pecuária no Brasil, considerado o maior exportador de carne bovina do mundo, pode ser dividida em três etapas: cria, recria e engorda. A ideia da Proposta de Política Nacional de Rastreabilidade Individual Obrigatória é tornar o rastreio dos bovinos efetivo desde o começo da vida do animal, identificando cada espécime já nas fazendas de origem e registrando o seu percurso.
Assim, seria possível verificar, por exemplo, se o boi esteve em propriedades envolvidas no desmatamento ilegal e se ele atende a outros critérios socioambientais. O objetivo é que a prática ponha o Brasil no patamar superior de controle da produção.
“Para o produtor, a rastreabilidade é positiva em termos de gestão do rebanho. Para o consumidor, trata-se da garantia da origem do produto, algo que o mercado tem procurado muito”, explica Mauro Lúcio Costa, dono da Fazenda Marupiara, em Paragominas (PA). “Já para o meio ambiente, agora é possível saber de onde está vindo e por onde passou cada animal, o que é muito benéfico.”
Mercado global
Idealmente, até o ano de 2026, de 30% a 50% dos animais contarão com esse tipo de identificação. O incremento da rastreabilidade também é positivo no sentido de aumentar a segurança da carne de origem animal aos olhos de países como a China, um dos principais parceiros do Brasil na exportação do produto. Assim, o insumo brasileiro se adapta melhor à demanda chinesa por itens mais seguros.
Mas o interesse por rastrear cabeças de gado não para por aí. “A rastreabilidade é de extrema importância não só para atender a demandas de mercados em específico, mas para garantir o que o mundo irá exigir”, acrescenta Consolata Piastrella, zootecnista especialista em rastreabilidade bovina e sócia e presidente da certificadora Piastrella Rastreabilidade Animal.
“Entregar produtos que possam assegurar linhas de processos e auditáveis, além de otimizar o sistema, aumenta a confiabilidade dos dados apresentados e da fiscalização, condicionando inclusive uma gestão mais eficiente na produção de bovinos na propriedade rural, facilitando também as tomadas de decisões para o produtor.”
Segundo Marina Guyot, gerente de políticas públicas do Imaflora, uma das organizações responsáveis pela proposta, a rastreabilidade é muito interessante nos sentidos ambiental e comercial. “Existem propriedades ilegais, resultantes da ocupação criminosa de terras públicas, mas há também um universo de propriedades legítimas que precisam de adequações em diferentes níveis”, argumenta.
“Para alguns, basta assessoria técnica e acesso a insumos, como brincos de identificação. Outros têm que reparar danos ambientais, o que pode implicar perdas de grandes áreas produtivas, exigindo novas técnicas de manejo para manter a produtividade”, afirma.
No final do ano passado, o Pará tomou a frente no que diz respeito ao rastreio de rebanho no Brasil. Em Dubai, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023, o estado anunciou seu projeto para atingir 100% de gado rastreado individualmente em seu território.
Por meio de um decreto, o governador Helder Barbalho instituiu um programa de integridade e um sistema de rastreabilidade que se baseará no uso de brincos fornecidos pelo governo para a identificação dos animais. Segundo o político, a intenção é mostrar que a pecuária sustentável pode se unir à preservação ambiental e ao respeito à legislação.
O prazo para a identificação individual dos bovinos na região está marcado para 31 de dezembro de 2025. Ainda não se definiu, porém, qual será a punição para os produtores que não tiverem implementado o programa até a data final.
Avanços internos
Assim, o Brasil mostra-se bastante preocupado com novos projetos de rastreabilidade de gado. Ao que tudo indica, há muito a se ganhar com tais ideias, as quais podem aumentar a segurança alimentar não só para quem compra a carne no âmbito internacional, mas também para quem a consome dentro do próprio país – afinal, cerca de 70% da carne bovina produzida em território brasileiro tem como alvo o mercado interno.
Esses programas ganham ainda mais importância quando se considera os planos que o Brasil tem para o seu gado. Talvez o maior exemplo seja o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis. O PNCPD foi instituído por meio de um decreto em dezembro do ano passado, e suas regras e pormenores ainda estão em discussão.
No entanto, sabe-se que o governo Lula tem planos de incentivar com crédito a criação de gado e a produção de commodities agrícolas em áreas de pastagens degradadas em território brasileiro, incluindo regiões da Amazônia e do Cerrado. Dessa forma, busca-se dar um uso sustentável a solos que perderam o uso devido principalmente ao manejo inadequado. Em um país onde mais de 90% do desmatamento ilegal é provocado pela agropecuária, trata-se de uma tentativa de inverter os polos e não só evitar o uso de novas terras, o qual poderia eventualmente degradá-las, mas também de dar novo fim a terrenos até então considerados inutilizáveis.
O rastreio de rebanhos é mais uma das iniciativas de que o governo brasileiro tem usufruído para tentar alinhar a sua agropecuária às orientações internacionais e torná-la cada vez mais sustentável. Juntas, todas essas técnicas têm o poder de possivelmente transformar o Brasil em uma potência mundial ainda maior no que diz respeito à busca pela mitigação dos efeitos da mudança climática.