Atualmente, o Brasil está passando por um dos maiores surtos de dengue da sua história. Durante as quatro primeiras semanas de 2024, os casos registrados da doença mais do que triplicaram em comparação ao mesmo período do ano passado. De acordo com estimativas do Ministério da Saúde, o país pode alcançar cinco milhões de casos ainda neste ano.
Segundo o doutor em ciências, genética e biologia molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Joel Henrique Ellwanger, as alterações no clima aceleradas pelas ações do homem podem influenciar na proliferação dos insetos responsáveis pela disseminação da doença.
“As mudanças climáticas intensificam eventos de chuvas extremas e o aumento médio de temperatura nas cidades, que são os principais culpados pela proliferação do inseto. Combinados, esses fatores facilitam o desenvolvimento dos mosquitos, que são insetos altamente adaptados ao ambiente urbano”, explica.
É preciso lembrar que, em regiões onde falta água, os contêineres responsáveis por armazená-la tornam-se locais perfeitos para o desenvolvimento do mosquito, piorando ainda mais o cenário. “Além disso, a dengue é uma doença que afeta principalmente as populações que vivem nas áreas mais desfavorecidas das cidades, que são justamente os locais que mais sofrem com os efeitos das mudanças climáticas, como ondas de calor, vendavais e chuvas intensas”, completou.
Crise global
Mundialmente, países como Itália, França e Espanha também registraram um aumento significativo nos casos de dengue, com um crescimento de 80% em 2023 em relação ao ano anterior. Nas palavras da líder da equipe da Organização Mundial da Saúde sobre arbovírus, Diana Rojas Alvarez, – vírus transmitidos por meio da picada de certos animais que se alimentam de sangue –, “as mudanças climáticas têm impacto na transmissão da dengue porque aumentam as chuvas, umidade e temperatura”.
O Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, é responsável também pela disseminação de doenças como chikungunya e zika. O inseto teve sua propagação facilitada pelas novas condições climáticas, sobretudo com a ação do El Niño, que ocasiona a elevação das temperaturas na América do Sul, levando ao aumento do número de casos da dengue não apenas no Brasil, mas também em países como Paraguai e Argentina.
O que diferencia o surto atual é o fato de que, desta vez, está sendo observado o espalhamento da doença por regiões que não estão tão acostumadas à dengue, como a porção sul do Brasil. Em locais habituados ao Aedes aegypti, a população está familiarizada com os cuidados necessários para evitar a dengue. No Sul, porém, esse costume ainda não existe, o que acaba por agravar ainda mais a situação.
Respostas à doença
Como forma de tentar mitigar os efeitos da doença, o governo brasileiro começa a apostar na vacinação contra a dengue via Sistema Único de Saúde (SUS). A partir de fevereiro, 521 municípios brasileiros receberão o imunizante, sendo que a ideia é vacinar crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, faixa que conta com o maior número de hospitalizações em virtude da doença. O Brasil é o primeiro país do mundo a oferecer a vacina no sistema público.
A ciência também tem seu papel na luta contra a dengue. No âmbito da pesquisa, uma linha que tem sido investigada é a propagação de mosquitos machos geneticamente alterados para serem estéreis, de forma a reduzir a disseminação do inseto. Para a professora associada do departamento de parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora atuante na utilização de linhagens transgênicas de Aedes aegypti no controle da transmissão de arboviroses, Margareth Capurro, trata-se de um método mais eficiente do que alguns utilizados pelo governo.
“É diferente do inseticida, que não é eficaz na redução de população. Quando a prefeitura utiliza a dispersão de inseticida, o carro passa na rua liberando o produto e pede para que a população abra as janelas, pois o mosquito mora dentro das casas. A população simplesmente fecha as janelas porque o cheiro é ruim. Consequentemente, o produto não atinge o local onde o mosquito está… não funciona”, elabora. “Na técnica do macho estéril, os machos procuram as fêmeas onde elas estão. A janela fechada não vai impedir que ele encontre a fêmea, e, portanto, a eficiência do tratamento é maior.”
A luta contra a dengue é um processo complexo e exige diversos esforços. De acordo com Capurro, o controle da doença deve contar com uma somatória de diversas técnicas e com a conscientização da população por meio do trabalho do governo. De forma geral, parece se tratar da necessidade de uma junção de esforços para combater a dengue.
“Trata-se de uma corresponsabilidade do poder público, do setor privado e da população. Cerca de 75% dos criadouros estão dentro ou próximos das casas, em locais que acumulam água e tornam-se criadouros do mosquito, o que aponta para uma responsabilidade a encargo do povo”, diz o professor associado de infectologia da Escola Paulista de Medicina e presidente da Comissão de Infecção Hospitalar do Hospital São Paulo, Eduardo Medeiros. “Mas o governo tem um papel muito importante, sobretudo na resolução de problemas ligados ao saneamento básico, como o acesso à água encanada. É preciso também produzir mais vacinas, por exemplo.”
Para Ellwanger, por outro lado, a raiz do problema está mais embaixo. De acordo com o especialista, é fundamental entender que, se as atividades humanas responsáveis pelas mudanças climáticas não forem reduzidas substancialmente, surtos de dengue serão apenas o início do problema. Assim, mesmo que a dengue seja controlada através da vacinação e outras medidas, novas doenças, surtos e pandemias surgirão.
“A questão ambiental está na raiz da emergência e disseminação das zoonoses e de doenças transmitidas por mosquitos. Controlar o desmatamento e outras fontes de emissão de gases de efeito estufa, reduzir o consumo de carne e combater a perda da biodiversidade são condições fundamentais para a manutenção da saúde pública”, afirma.