01.07.2024

Rio Grande do Sul em recuperação: enchentes expõem vulnerabilidade e desafios para a adaptação climática

Sequência de eventos climáticos extremos mostra urgência de medidas para promover a resiliência ao clima no Brasil
Foto: Bruno Peres/ Agência Brasil
Homem passa em frente a lixo e entulho de casas após enchente
Lixo e entulho ficaram acumulados nas ruas após enchentes

Mais de dois meses após o início das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, cidades do estado gaúcho ainda enfrentam as consequências do desastre. Cerca de 80 trechos de estradas continuam bloqueados, mais de 37 mil alunos estão sem aulas presenciais e o lixo que se acumulou nas ruas se tornou alvo de forças-tarefas para a limpeza das cidades. 

Ao mesmo tempo em que a sociedade gaúcha ainda se recupera dos estragos, eventos climáticos extremos que já estão em curso, como as queimadas no Pantanal e a temporada de seca na Amazônia, mostram a urgência de preparar as cidades para lidar com os novos efeitos do clima que estão por vir. 

Entre fevereiro e maio de 2021, um levantamento realizado pelo Projeto Elos, uma iniciativa da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC/MDR), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), mapeou a realidade de 1.993 municípios brasileiros. 

De acordo com a pesquisa, 30% das defesas civis municipais entrevistadas informaram não ter computadores, 67% disseram não possuir viaturas, 53% informaram não dispor de celular com acesso à internet para comunicar ações de proteção e defesa civil e somente 28% afirmaram ter orçamento próprio. 

Segundo o sociólogo e pesquisador do Cemaden, Victor Marchezini, coordenador do Projeto Elos, é importante que os municípios e os estados tenham orçamento para ações de adaptação e de resposta a desastres antes que eles aconteçam.

“Em muitos casos, as pessoas que estão na Defesa Civil se dividem com funções de outras secretarias. É preciso profissionalizar esses cargos e o país tem formado mestres e doutores na ciência de desastres que poderiam ocupar essas funções”, afirmou. 

Além disso, Marchezini destaca a importância de pensar em outras ações que ajudem a conter o aquecimento do planeta, como, por exemplo, reduzir as emissões de gases de efeito estufa com melhores transportes públicos e aumentar o investimento em energias renováveis. 

Reconstrução estratégica

As enchentes no Rio Grande do Sul escancararam a vulnerabilidade de um estado por inteiro, mas outros eventos climáticos recentes, como a seca extrema na Amazônia em 2023 e as ondas de calor que atingiram diversas regiões do país no último ano, mostram como é preciso ter um olhar nacional integrado para a adaptação à mudança do clima. 

Para Marchezini, há tempo para desenvolver políticas públicas com essa finalidade. “Temos que aproveitar as janelas de oportunidade quando os políticos, sejam eles deputados federais ou vereadores, podem se sensibilizar para a importância do tema e atuar antes que o próximo desastre aconteça”, afirmou.

No caso da realidade gaúcha, a necessidade de reconstrução é tamanha que toda a lógica de ocupação urbana terá que ser analisada para evitar a repetição do desastre no futuro. Para o professor de ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Marcelo Dutra, parte da mudança começa com a ampliação da percepção da sociedade de que o que aconteceu no Rio Grande do Sul faz parte de um contexto de mudanças climáticas que chegou para ficar. 

“Apesar dos alertas e da informação dada pela ciência, nem sempre somos ouvidos. Por isso, as iniciativas públicas não acontecem e os instrumentos existentes, como aplicação de orçamentos e investimentos, não são colocados em prática”, disse Dutra. Para o ecólogo, se há algo que precisa ser feito de forma diferente a partir de agora, é o esclarecimento público e a união de esforços em um processo de reconstrução, mas sob o viés da adaptação à mudança do clima. 

Como exemplo, Dutra acredita que os municípios mais atingidos nos vales de inundação terão que se afastar de corpos hídricos e buscar um terreno com altura mais segura e com uma revitalização das margens dos rios para que barreiras de proteção naturais existam. No caso dos municípios que estão em áreas de planície, as gestões precisam entender que a expansão urbana em terrenos baixos, planos e úmidos não será um bom negócio. 

“Precisamos construir estruturas de proteção e impedir, imediatamente, que qualquer novo empreendimento na direção de terrenos vulneráveis seja autorizado. Precisamos discutir nossa visão estratégica de construção nas diferentes cidades, inclusive para as que não foram atingidas”, afirmou. 

Soluções estruturais

De acordo com o relatório do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno da ONU, o Brasil é o país com o maior número de deslocamentos internos causados por desastres nas Américas, com 745.000 pessoas afetadas. Outro levantamento da Organização Internacional para Migrações (OIM) identificou que enchentes foram a principal causa do deslocamento de mais de 700.000 brasileiros ao longo do ano de 2022.

Para o gerente de desenvolvimento urbano no WRI Brasil, Henrique Evers, o caminho para a resolução do problema começa com o acesso à terra. “Áreas de risco nunca foram impeditivos para a ocupação humana. Quando as pessoas não têm onde morar, elas buscam locais informais próximos a infraestruturas urbanas. Nas classes mais altas, a discussão entra em questões de especulação imobiliária, irregularidades e falta de fiscalização em áreas de risco”, afirmou. Para ele, se as pessoas não receberem a posse sobre as terras, ocupações irregulares vão continuar acontecendo. 

Além de repensar a questão fundiária, é preciso investir em infraestrutura integrada à natureza e adaptada à nova realidade climática. Para Evers, há um impacto forte de chuva, com enxurradas e inundações, mas as ameaças são diversas, como ciclones, secas e ondas de calor. “É difícil prever de uma forma só. A estrutura que melhor trabalha com todas as ameaças e traz benefícios múltiplos é a solução baseada na natureza”, disse. 

Ainda, Evers acredita que a percepção de que o Brasil é um país que não sofre com desastres naturais teve efeitos positivos ao longo do tempo, mas não preparou a sociedade para lidar com catástrofes como a que aconteceu no estado gaúcho. Para evitar os mesmos erros no futuro, ele destaca a importância do investimento em sistemas de alerta, planos de contingência e de comunicação para informar a população previamente sobre como agir em emergências. 

Jornalista especializada em meio ambiente e sustentabilidade e cofundadora do Nosso Impacto

Gostou das histórias que você viu por aqui?

Inscreva-se para ficar sempre em dia com o melhor do nosso conteúdo.

Mais histórias em

Foto: Jonne Roriz/ Nosso Impacto
Estudo mostra que ações para proteger a cobertura florestal com uso sustentável dos recursos podem trazer mais benefícios socioeconômicos
Foto: Fujiphilm/ Unsplash
Sobretudo entre os mais jovens, tendências como o fast fashion tendem a diminuir
Foto: Lauro Alves/ Secom
O que acontecia uma vez a cada década, hoje ocorre a cada dois anos