Dentro do Morro da Cruz, na Zona Norte do Rio de Janeiro, onde o Sol não dá descanso e o concreto aumenta a sensação térmica, um movimento verde nasceu para mudar essa realidade.
O projeto Favela Viva, criado em 2021, busca amenizar as altas temperaturas no meio urbano por meio de ações simples como o plantio de árvores. A iniciativa mudou o cenário da comunidade e a mentalidade de uma população que há muito tempo é afetada pelas condições climáticas da região.
De acordo com o cofundador do projeto e mestrando em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ronaldo Rozendo, a Favela Viva “é um projeto social que traz as questões social e ambiental para mudar a mente das pessoas”.
Ainda segundo ele, a ideia do projeto é plantar espécies nativas da Mata Atlântica ameaçadas de extinção, como abacateiros e o palmito do tipo Jussara. Até agora, cerca de 50 mudas foram plantadas no Morro da Cruz e na Favelinha, também localizada na Zona Norte da cidade. A ação é feita todos os meses com voluntários e moradores.
O projeto, que tem colhido bons resultados, é uma solução para um problema na cidade do Rio de Janeiro. O município sofre com o déficit de aproximadamente um milhão de árvores, segundo a Sociedade Brasileira de Arborização Urbana.
O levantamento mostra que as zonas Norte e Oeste do Rio são as mais prejudicadas. A diferença de temperatura entre os bairros que têm mais ou menos árvores pode chegar a 11 graus celsius, conforme mostrou um levantamento feito pelo Observatório do Calor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
De acordo com a professora da faculdade de arquitetura e urbanismo UFRJ, Iazana Guizzo, o planejamento urbano precisa ser revisto de forma que outras espécies não sejam afetadas negativamente.
“Repensar uma cidade a partir da floresta é, sim, diminuir a temperatura do planeta, ter mais conforto nas nossas casas, ter ruas mais bonitas e arborizadas, mas é, acima de tudo, repensar o que é a cultura urbana e como a gente pode viver mais conectado com a terra, de forma mais simples e de modo menos violento com as outras espécies”, expressa.
Com o avanço do aquecimento global, ondas de calor têm sido cada vez mais intensas e duradouras. Quem paga o preço mais alto são as pessoas mais vulneráveis economicamente.
Desafio global
Um relatório do IPCC mostrou que os impactos mais expressivos no clima atingem, principalmente, povos indígenas e comunidades tradicionais, apesar de serem os que menos contribuíram para o aumento da temperatura média do planeta.
Enquanto os países mais ricos, que concentram a metade da população do planeta, são responsáveis por 86% das emissões mundiais, as nações mais pobres liberam apenas 14% dos gases poluentes. Isso faz com que as ondas de calor, enchentes e deslizamentos de terra afetem ainda mais pessoas em situação de vulnerabilidade.
Por outro lado, alterar esse cenário e integrar áreas verdes nas regiões periféricas exige uma mudança de mentalidade nas comunidades locais, pois muitas vezes elas não compreendem a relevância desses espaços.
A cofundadora do projeto e estudante de geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Larice Gomes, conta que havia uma dificuldade muito grande dos moradores para reconhecer o impacto do projeto no espaço. “As pessoas estão confiando mais no nosso trabalho hoje do que antes quando não entendiam do que se tratava”, explica.
O projeto também gera um senso de comprometimento ambiental por parte da comunidade, que agora se une para plantar as mudas pelo Morro da Cruz e pintar as paredes e escadarias da comunidade.
“A gente vê que as crianças gostam muito de participar de todas as atividades que fazemos aqui”, destaca a estudante de geografia.
“Nós trabalhamos muito com a criança para trazer a ideia do verde, para ela valorizar a questão da natureza e do reflorestamento”, complementa Ronaldo.
Contexto local
No entanto, para Larice, o esforço do poder público com políticas de reflorestamento nestes espaços é muito pequeno. “Eu cresci tanto com a falta de política pública quanto de projetos sociais aqui dentro da comunidade. Sempre senti muita falta disso e acho que todo mundo daqui da comunidade também sentiu, porque é um lugar sem projetos de permanência. Essa é a primeira iniciativa verde que é feita aqui dentro”, relata.
“Está comprovado que soluções baseadas na natureza, além de diminuir a temperatura, conectam as pessoas com a terra, diminuem o estresse e a depressão, promovem o coletivo”, aponta a professora Guizzo.
Ao criar um senso de comunidade e responsabilidade coletiva, o projeto Favela Viva tem a intenção de transformar a paisagem do Morro da Cruz e da Favelinha, além de sinalizar um caminho para mudanças sociais e ambientais.
Construir um futuro mais verde e sustentável para comunidades periféricas é a esperança de um futuro mais preocupado com o meio ambiente e com as pessoas vulneráveis às crises climáticas.