Nos países do Hemisfério Norte, cenas que mostram os impactos do calor extremo começam a se tornar repetidas: incêndios florestais fora de controle, evacuação de turistas de áreas de risco e a população em busca de formas de amenizar o desconforto intenso.
Contudo, as imagens que viralizam nas redes sociais são apenas um recorte sobre o problema. Uma pesquisa publicada pela revista científica Nature Medicine mostrou que o verão de 2022 matou mais de 61,6 mil pessoas na Europa entre maio e setembro.
Durante o verão mais quente já registrado – como ficou conhecido o fenômeno –, os termômetros registraram temperaturas acima dos 45°C na Espanha, um pouco abaixo da maior temperatura já atingida no continente, em 2021, de 48,8°C na Itália.
A tendência de altas temperaturas se manteve em 2023. De acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), África, Ásia, América do Norte e América do Sul tiveram o agosto mais quente já registrado, enquanto Europa e Oceania registraram o segundo agosto mais quente.
A temperatura média global registrada pelo órgão em agosto foi de 16,85°C, número 1,25°C acima da média registrada no século 20.
O motivo do aumento anormal da temperatura é conhecido: o aquecimento global e a incidência do fenômeno El Niño. Segundo o pesquisador de física atmosférica da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, o impacto das mudanças climáticas intensifica o El Niño, evento que provoca o aquecimento das águas do Oceano Pacífico e altera a distribuição de calor e umidade pelo planeta.
“Como o oceano já está 1ºC a 1,2ºC mais quente do que há cinquenta anos, isso fornece mais energia ainda para o fenômeno El Niño, o que reforça os seus impactos negativos no clima”, afirma.
O caos climático não provoca apenas altas temperaturas, mas também faz com que haja um aumento do número de incêndios florestais. Um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) mostrou que incêndios serão 50% mais frequentes até o final do século.
Em julho, dezenas de vítimas foram forçadas a evacuar partes da Argélia, Grécia, Itália e Espanha por causa dos fogos. A Grécia pediu ajuda da União Europeia para conter os incêndios, enquanto a Argélia soma 34 vítimas do fogo, o maior número entre os países do Mediterrâneo.
No Hemisfério Norte, dados divulgados pelo Serviço de Monitoramento Atmosférico do Copernicus (CAMS) mostraram que, entre janeiro e julho deste ano, os incêndios florestais no Canadá resultaram na emissão de 290 milhões de toneladas de carbono, número quase quatro vezes maior que a média entre 2002 e 2022.
Segundo Artaxo, regiões tropicais são as mais impactadas pelas altas temperaturas. “Cada país é afetado pelas mudanças climáticas de maneira diferente. O Brasil é mais vulnerável por estar em uma região tropical onde parte da população e dos ecossistemas vive em uma temperatura média elevada, que está ultrapassando os limites do tolerável para o funcionamento dos ecossistemas e do ponto de vista dos impactos na saúde da população”, explica Artaxo.
Ainda, o físico alerta que os impactos das mudanças climáticas são irreversíveis. “O aquecimento atual não pode ser revertido, porque a vida média dos gases de efeito estufa, em particular do dióxido de carbono na atmosfera, é da ordem de alguns milhares de anos. O derretimento do gelo da Antártica e da Groenlândia, que aumenta o nível do mar, também é irreversível”, afirma.
A partir de previsões sobre o fenômeno, governos de países mais vulneráveis ao El Niño se prepararam para diminuir os impactos de possíveis eventos climáticos extremos relacionados a ele.
É o caso do Peru, por exemplo, que reservou 1 bilhão de dólares para lidar com as consequências do El Niño. Por sua vez, as Filipinas montaram uma equipe especial do governo para lidar com os riscos de ciclones na região.
Enquanto o El Niño é um fenômeno específico, países signatários do Acordo de Paris, o principal tratado climático internacional, se comprometeram ainda em 2015 com o combate à mudança do clima de forma geral.
Aprovado por 195 países, o acordo prevê limitar o aumento da temperatura média do planeta em 1,5ºC e evitar que ela ultrapasse 2°C, em comparação com níveis pré-industriais. A falta de ação climática na velocidade e na ambição necessárias deixou consequências visíveis em diferentes regiões do planeta, mas, com medidas concretas e eficazes, ainda há tempo para evitar que o cenário se repita nos próximos anos.