Nas águas rasas e profundas dos oceanos, recifes de corais se formam ao longo de milhares de anos como ambientes marinhos sensíveis e ricos em biodiversidade – comparados à vida em terra, eles são tão vibrantes quanto as florestas tropicais. Ao mesmo tempo, esses ecossistemas estão entre os mais ameaçados pelo aquecimento global. Para protegê-los, um novo estudo mostrou que os peixes budiões, também conhecidos como peixes-papagaios, desempenham funções essenciais para os recifes de corais.
Publicada na revista científica Marine Biology, a principal conclusão da pesquisa é que, para garantir o bem-estar dos corais, é fundamental que as algas que crescem sobre eles sejam removidas. Os animais que fazem esse trabalho são os peixes herbívoros, como os budiões. O estudo foi realizado por pesquisadores do Projeto Budiões, da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), do Instituto Nautilus de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade e do Centro Nacional Patagônico na Argentina.
Além da importância para a biodiversidade e da beleza natural, uma análise feita pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) mostrou que o Sistema Mesoamericano de Barreiras de Corais, que se estende pela costa de Honduras, Guatemala, Belize e México, e o Triângulo de Coral, região que abrange as águas de Indonésia, Malásia, Papua-Nova Guiné, Filipinas, Ilhas Salomão e Timor-Leste, geraram benefícios econômicos de 34,6 bilhões e 36,7 bilhões de dólares, respectivamente.
Recifes de corais saudáveis movimentam o turismo – globalmente, estima-se que atividades de mergulho geram 9,6 bilhões de dólares por ano. Esses ecossistemas também são responsáveis por abrigar cerca de 25% da vida marinha, o que se traduz em fontes de alimento e de renda para milhares de pessoas em países em desenvolvimento e em cerca de 5,7 bilhões de dólares anuais associados à pesca.
Porém, esses ambientes estão ameaçados. O aumento da temperatura dos oceanos e da absorção de gás carbônico (CO2) faz com que a água do mar fique mais ácida e cria as condições para intensificar a ocorrência do fenômeno conhecido como branqueamento de corais. “Se tivermos um aumento de 1,5ºC na média das águas, poderemos perder cerca de 70% dos recifes de corais do mundo. A mudança de 0,5ºC ou 1ºC nos oceanos tem um impacto muito maior do que na atmosfera”, alerta a doutora em ciências marinhas e gerente de Projetos da Fundação Grupo Boticário, Janaína Bumbeer.
Nesse contexto, quando os peixes budiões se alimentam de algas, eles abrem espaço para o crescimento dos corais. “Algas são competidoras superiores porque elas se desenvolvem muito rápido, deslocam os corais e não os deixam crescer”, explica o biólogo e coordenador do Projeto Budiões, Carlos Hackradt. “Os budiões conseguem remover uma quantidade significativa de algas e equilibrar essa relação”, disse.
Segundo o pesquisador, esse processo aumenta a diversidade de organismos que vivem no fundo do mar, a comunidade bentônica, que tem como resposta secundária e positiva o aumento da diversidade dos peixes. “Um recife saudável tem alta diversidade e os budiões são uma peça-chave nessa engrenagem, é uma função ecológica”, diz ele.
Contudo, os budiões também estão em risco por conta da pesca predatória. O Projeto Budiões, que tem apoio do Programa Petrobras Socioambiental, começou a identificar a diminuição das populações de peixes a partir das décadas de 80 e 90. “Isso aconteceu porque a pesca eliminou espécies de grande importância econômica, como os tubarões, garoupas, atum, entre outros. Então, os peixes herbívoros passaram a ser os alvos, que é o caso dos budiões”, explica Hackradt.
A diversidade dos budiões em espécie e tamanho
Nas áreas recifais do Brasil, a variedade de peixes e herbívoros é menor em comparação aos recifes do Caribe e do Pacífico. Segundo Hackradt, isso se dá pela formação de barreiras biogeográficas, as condições naturais que limitam a dispersão dos organismos, como correntes e frentes oceânicas, temperatura, salinidade, profundidade, relevo, entre outros. “Há um nível de endemismo bastante alto. Das dez espécies que temos no Brasil, quatro ou cinco só existem aqui, como o Budião Azul e o Budião Bandeira”, explica Hackradt.
Para ele, essa configuração natural torna a proteção dos budiões ainda mais urgente: caso a população brasileira desapareça, ela estará completamente extinta. Além de serem necessários nos recifes de corais, é crucial protegê-los para manter indivíduos de diferentes tamanhos, pois essa característica interfere nas funções exercidas pelos peixes. “Enquanto um budião-azul jovem consegue apenas cortar as partes filamentosas das algas, exemplares adultos vivem raspando e cavando no recife, removendo algas incrustadas em sua totalidade”, explica.
Proteção integrada
A vulnerabilidade dos recifes de corais é um problema ambiental e social que depende de medidas efetivas do poder público. “É uma questão que precisa ser trazida à luz do dia para as pessoas. Parece que estamos falando de coisas desconexas, sobre recifes, peixinhos… pode parecer que não existe uma relação direta com a sociedade, mas a verdade é que milhões de pessoas no mundo dependem dos ambientes recifais e das zonas costeiras. Esses locais são altamente sensíveis às mudanças climáticas e à sobrepesca”, diz.
Hackradt destaca que da mesma forma que consumidores precisam repensar suas atitudes, o setor privado também deve fazer o mesmo – e o ponto principal é não incentivar atividades extrativistas focadas em espécies ameaçadas de extinção. “É uma premissa básica. A indústria, de forma geral, precisa repensar suas ações e adotar medidas de gestão interna que sejam mais sustentáveis. Não ações que sejam um greenwashing, mas que estejam realmente focadas em reduzir o impacto de seus sistemas produtivos”, diz ele.
Na visão do pesquisador, um exemplo de contribuição das empresas com a preservação ambiental é o apoio financeiro. “O patrocínio permite que o projeto use todo seu conhecimento para ajudar o setor público na gestão dos recursos naturais através de fomentar, com base teórica e científica, políticas públicas que vão efetivamente ajudar na conservação”, explica.
Para Bumbeer, uma das chaves para reduzir os impactos nos recifes é a redução da poluição marinha, o que inclui o saneamento básico. “É preciso fiscalizar o turismo para que a atividade seja sustentável e não sobrecarregue esses ambientes. Também não podemos esquecer de medidas de manejo da pesca para manter as espécies de peixes que estão ali, que fazem parte dos ecossistemas e ajudam na sua manutenção”, diz ela.
Como parte de uma estratégia mais ampla, Bumbeer destaca a importância da criação de unidades de conservação marinhas, que mantêm as condições necessárias para a recuperação de recifes que sofrem impactos ambientais. “Precisamos de áreas onde não é possível ter atividades de pesca ou outro tipo de exploração. Nisso tudo, estamos falando da criação e da implementação de políticas públicas que olham para o ecossistema dos recifes de coral e os incluem em ações públicas municipais, estaduais e nacionais”.