15.11.2023

Para combater poluição por plásticos, projeto de lei propõe soluções com base na economia circular

Avanço de proposta para reduzir a produção e o descarte desenfreados de resíduos plásticos mostra necessidade de enfrentar o tema
Foto: The Ocean Cleanup/ Divulgação
Imagem de grande embarcação no oceano com carga volumosa.
Embarcação da The Ocean Cleanup com resíduos plásticos coletados no mar em agosto de 2023.

Em outubro deste ano, foi aprovado na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal o Projeto de Lei 2524/2022. Conhecido como o projeto de lei do “Oceano Sem Plástico”, o PL prevê soluções para a poluição por plásticos a partir de medidas inspiradas na economia circular, conceito que defende a circularidade dos recursos naturais com base na otimização de processos e na priorização de matérias-primas duráveis e renováveis. 

A proposta inclui a determinação de que, a partir de 31 de dezembro de 2029, todas as embalagens plásticas colocadas no mercado deverão ser retornáveis e comprovadamente recicláveis ou substituídas por embalagens confeccionadas por materiais totalmente compostáveis, feitos a partir de matérias-primas renováveis. 

Além disso, o PL proíbe diversos tipos de plástico de uso único no país e prevê a redução a zero da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre embalagens feitas a partir de materiais biodegradáveis ou compostáveis. Depois da aprovação na Comissão de Assuntos Sociais, o texto precisa passar pela análise de outras duas comissões — a de Assuntos Econômicos e a de Meio Ambiente –, pela apreciação na Câmara dos Deputados e pela sanção presidencial.

É aí que entra a importância da economia circular. “Para que se evite o descarte de plásticos que chega aos oceanos, é necessário repensar os atuais modelos de negócios”, afirma o professor do departamento de engenharia de produção da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro de Pesquisa em Economia Circular do InovaUSP, Aldo Ometto. 

“É preciso pensar em como fazer o produto durar mais tempo, conceber formas que permitam sua reutilização, sua reciclagem, seu compartilhamento”, disse. Por meio da aplicação dessas técnicas, menos resíduos serão gerados, o que reduzirá a quantidade de lixo que chega aos mares.

Nesse sentido, a doutora em ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Maiara Menezes, que também é presidente da Oceânica, organização que zela pela conservação dos ambientes costeiro-marinhos, diz que há muito a se fazer.

“Há ações que dependem de toda a sociedade enquanto cidadãos, outras que precisam ser realizadas por indústrias e empresas e aquelas que dependem da gestão pública. Ainda, há medidas que dependem de avanços científicos e investimentos em pesquisa para que surjam inovações tecnológicas revolucionárias”, afirmou. “Precisamos de uma revolução para limpar os mares e tentar garantir um oceano menos sujo para as futuras gerações.”

Mesmo para quem não é especialista em ecossistemas marinhos, está cada vez mais claro que é essencial preservar os oceanos. Atualmente, esses ambientes estão extremamente poluídos por plásticos, e as medidas para protegê-los passam pela aplicação de políticas públicas. 

Demandas da sociedade

Segundo uma pesquisa realizada pelo instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC), 68% dos brasileiros acreditam que o Congresso tem responsabilidade na redução desses poluentes e que o problema tende a diminuir se uma lei que restrinja a produção de itens descartáveis for aprovada. 

Entre representantes públicos, o assunto também é bastante comentado: a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, por exemplo, já declararam publicamente que são favoráveis ao PL 2524.

Outra iniciativa da sociedade civil é a campanha Pare o Tsunami de Plástico, liderada pela ONG Oceana, que promove a conservação marinha. A campanha tem o objetivo, justamente, de impulsionar o projeto de lei para reduzir a poluição. Em nota, o oceanógrafo e diretor-geral da Oceana, Ademilson Zamboni, afirmou que “esta primeira vitória é um significativo passo para que o Congresso, finalmente, ouça a demanda da sociedade e garanta a urgente redução da poluição por plásticos no Brasil. Além de ser um grave problema ambiental, esta poluição se tornou uma preocupante questão de saúde pública. Estudos científicos detectaram a presença de microplástico em diversos órgãos vitais humanos, para além de estarem na nossa comida, água e até mesmo no ar que respiramos”.

Em contrapartida, os setores químico e de transformação alegam que, caso o projeto de lei seja aprovado, haverá uma redução de 70,2 bilhões de reais em faturamento, além de uma perda de 205 mil empregos e uma redução na massa salarial na ordem de 6,7 bilhões de reais.

Além disso, haveria, argumentam, um fechamento de mais de 270 mil empregos no setor de coleta e separação de resíduos. Em nota, o presidente da Associação Brasileira de Indústrias Químicas, André Passos Cordeiro, afirmou que nem mesmo na Europa, região mais avançada do mundo no tratamento do tema, segundo ele, existem banimentos nos mesmos moldes daqueles trazidos pelo PL.

Desafio global

Esforços para proteger os oceanos são abundantes pelo mundo. É o caso do holandês Boyan Slat, que concebeu um sistema que promete retirar 80% dos plásticos dos mares até 2030 e aproximadamente 90% até 2040. 

Outro exemplo é o da iniciativa The Ocean Cleanup, que, há mais de dez anos, trabalha com a limpeza dos oceanos e de rios pelo planeta. De acordo com o movimento, toneladas de plástico já foram retiradas das águas, sendo que a meta é remover 90% da poluição de plástico flutuante do mar.

Para quem tem uma relação próxima com as águas marinhas, a urgência é ainda mais evidente. A velejadora espanhola bicampeã olímpica Theresa Zabell criou e preside a fundação Ecomar, que se dedica aos cuidados com o oceano. “Oceanos saudáveis são a chave para uma vida saudável. Não podemos esquecer que o oxigênio que respiramos e a água que bebemos vêm dos mares”. 

Epidemia de plástico

Vale notar que a poluição causada pelo plástico é um problema que se agrava há décadas. Apenas em 2021, estima-se que quase 391 milhões de toneladas do material foram produzidas, um aumento de 4% em relação ao ano anterior. 

Entre 1950 e 2017, no entanto, apenas 9% de todo o plástico produzido no mundo foi reciclado, apontando para a necessidade de se criar e aplicar novas medidas que priorizem a limpeza do ambiente em detrimento da produção de plástico. 

Não à toa, a poluição por esse tipo de composto é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como a segunda maior ameaça ambiental a ser enfrentada pela humanidade, atrás apenas da emergência climática.

Ainda que esforços feitos por organizações e cidadãos e medidas ligadas à economia circular diminuam os impactos da poluição desenfreada, não será possível vencer a luta contra o plástico sem a adoção de novos modelos de negócios e sem repensar a forma como a sociedade consome produtos de uso único. “Estamos todos no mesmo barco, e precisamos remar na mesma direção para fazer a diferença”, disse Zabell.

Jornalista formada pela ECA-USP e graduanda em Direito pela PUC-SP

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