Nos últimos dias do inverno, o mapa do Brasil ficou marcado com diferentes tons de vermelho. Uma intensa onda de calor atingiu todas as regiões do país e diversas cidades bateram recordes históricos de temperatura para o período – afinal, de novo, era inverno. Com a chegada da primavera, as perspectivas continuam quentes: o mês de outubro coleciona algumas das máximas históricas do país e a meteorologia indica que a tendência se repetirá neste ano.
Ondas de calor são registradas quando um sistema de alta pressão atmosférica impede a circulação de uma massa de ar quente em determinado lugar, fazendo com que ela fique aprisionada e, impedida de se locomover, provoque um aumento ainda maior das temperaturas. Caracteriza-se o fenômeno da onda de calor quando a temperatura fica ao menos 5°C acima da média por no mínimo três dias seguidos.
Engana-se quem pensa que apenas o Brasil está sob efeito do calor intenso. Em meados deste ano, os Estados Unidos registraram uma média de temperaturas acima dos 37°C por 27 dias consecutivos – algo que não era visto desde 1994. Já no Reino Unido, a média de junho foi 0,9°C mais alta do que o recorde anterior, estabelecido em 1940 (leia mais sobre os efeitos de ondas de calor em outros países).
Earth had the hottest three-month period on record, with unprecedented sea surface temperatures and extreme weather.
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“As observações meteorológicas indicam que a temperatura média aumentou e que a frequência de eventos extremos também cresceu”, explica o coordenador do Laboratório de Meteorologia Aplicada a Sistemas Regionais de Tempo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Leite da Silva Dias.
“Nesse sentido, a adaptação ao clima mais quente e às suas consequências será crucial para a nossa sobrevivência no futuro próximo”, completou.
Depois de anos de debates e inúmeros avisos dados pela comunidade científica, os alertas se tornaram realidade: de acordo com dados da NASA, o verão de 2023 foi o mais quente já registrado na Terra desde o começo das observações em 1880.
Em julho, o consultor sênior da Organização das Nações Unidas (ONU), John Nairn, afirmou publicamente que o mundo precisa se preparar para ondas de calor cada vez mais intensas. Nairn citou um estudo recente que estimou que, na Europa, 60 mil pessoas morreram ao longo do último verão devido ao calor extremo.
De fato, temperaturas elevadas trazem riscos consideráveis para a saúde, podendo levar à insolação e à sobrecarga dos rins e do coração. Entre os mais vulneráveis estão crianças, idosos, obesos e diabéticos.
No Brasil, um estudo realizado em 2022 por pesquisadores brasileiros e australianos apontou que, ao longo de um período de quinze anos, o calor extremo foi responsável por 7% das internações do Sistema Único de Saúde (SUS). O aquecimento global deixou de ser apenas sobre proteger o meio ambiente – a questão, agora, é de saúde pública.
Gostava de sombra e água fresca
Estabelecido em 2015, o Acordo de Paris definiu o objetivo de limitar o aumento da temperatura média do planeta em 1,5ºC e evitar que ultrapasse 2ºC. Atualmente, a Terra já está 1,1ºC mais quente em comparação a níveis pré-industriais e, caso nada seja feito para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a humanidade caminha para um cenário de 3ºC de aquecimento. Ou seja, o planeta já está mais quente e o clima já sofreu alterações.
“O melhor jeito para as cidades se adaptarem é a boa sombra e água fresca”, explica Pedro Vada, arquiteto e professor da Escola da Cidade. “A maioria das cidades foram construídas com a mesma intenção de conquistar terras e ter propriedades. Nessa ânsia, quem perdeu seu território foi a natureza, a exemplo dos rios.”
Por essa lógica, a forma recomendada de adaptar os ambientes urbanos ao novo clima seria o processo de reconquista das várzeas, segundo o especialista.
Na opinião do professor de pós-graduação da área de meio ambiente do Senac de São Paulo, Heber Braida, há medidas mais imediatas que podem ser tomadas.
“Considero ser preciso promover campanhas orientadoras, instalar e disponibilizar banheiros e bebedouros públicos com água potável, instalar abrigos públicos para proteção do sol – sobretudo em pontos de espera de transporte público – e, em casos de temperaturas mais críticas, umidificar as vias públicas”, disse.
“Cidades como Barcelona e Paris já implantaram os chamados abrigos climáticos para a população, que são áreas de descanso e com água para amenizara sensação de calor”, exemplifica.
Ainda assim, segundo Braida, a responsabilidade não é só do setor público. “É necessário que as empresas atuem proativamente em seus processos produtivos para reduzir os impactos ambientais ao mínimo possível”, disse.
“Por exemplo, adquirir matérias-primas e insumos com baixo impacto e de fontes sustentáveis, adotar o uso de energias limpas, eliminar o uso de combustíveis fósseis, zerar ou reduzir a geração de resíduos, entre outras ações”, completou Braida.
No setor privado, diversos projetos têm a adaptação à mudança do clima como foco, ainda que em diferentes frentes. Um exemplo é a Abundance Brasil, startup que tem como objetivo restaurar e cultivar florestas brasileiras.
O primeiro plantio promovido pela Abundance foi finalizado em janeiro de 2022 em Minas Gerais. A nova floresta conta com 200 mil árvores plantadas. Neste ano, espera-se um plantio de mais 100 mil mudas.
Para a consultora da Abundance Brasil, Karla Silva Teixeira, as empresas estão entre as maiores responsáveis por trabalhar as questões climáticas, uma vez que elas são as maiores emissoras de gases de efeito estufa.
“A partir de boas regulamentações do poder público, o setor privado encontrará tranquilidade para fazer investimentos em pesquisas para a utilização de processos mais limpos em suas atividades, em plantio e conservação de florestas e na biodiversidade”, diz.
Tanto o setor privado quanto o poder público têm papéis essenciais para combater as mudanças do clima e promover a adaptação às ondas de calor. Os recentes eventos climáticos extremos não deixam dúvidas sobre a urgência do assunto. Se os avisos dos cientistas não foram suficientes, agora o planeta deu o seu recado: é preciso agir para garantir o bem-estar da população e do meio ambiente.