Em 2024, o Reino Unido se tornou a primeira grande economia do mundo a cortar pela metade as suas emissões de dióxido de carbono, considerado o principal culpado pelo aquecimento global. A informação vem de dados publicados pelo governo, que apontam que as emissões caíram 50% entre 1990 e 2022, mesmo período em que a economia cresceu 79%.
De acordo com a secretária de segurança em energia britânica Claire Coutinho: “Continuaremos batendo nossas metas, mas de forma pragmática, sem resultar em custos extras para famílias trabalhadoras.”
Um dos pilares desse avanço foi a energia limpa: em 2010, a energia renovável representava 7% da eletricidade do país; hoje, trata-se de mais de 40% do total. A expectativa é de que a produção elétrica nacional seja completamente limpa até o ano de 2035.
Para a especialista em política climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann, “o exemplo do Reino Unido, principalmente na parte ligada a carvão, que está sendo trabalhada de forma intensa para tirar essa fonte da matriz deles, é louvável”.
Já faz alguns anos que o Reino Unido lidera o cenário global no que diz respeito à atenção ao meio ambiente. Em 2021, por exemplo, o país tornou público seu compromisso de reduzir em 78% suas emissões de CO2 até 2035, em comparação com os níveis registrados em 1990.
“Queremos que os líderes mundiais sigam o nosso exemplo e se coloquem à altura das nossas ambições antes da crucial cúpula sobre o clima, COP26, porque só reconstruiremos e protegeremos o nosso planeta de forma mais ecológica se nos unirmos para agir”, afirmou o então primeiro-ministro Boris Johnson.
Dois anos mais tarde, a nação apresentou seu plano revisado para descarbonizar completamente a economia até a metade do século, atingindo o chamado net-zero. Entre os setores que seriam impactados, estariam a energia e o transporte.
Passado poluidor
Existe, porém, um aspecto que deve ser levado em conta: as emissões de gases de efeito estufa dos países que estiveram sob domínio colonial do império britânico. Levando-se em consideração o fato de que, quando se contabiliza as 46 nações que já compuseram esse império, o Reino Unido sobe do oitavo para o quarto lugar no ranking dos países com maiores emissões históricas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia.
É o que aponta um estudo publicado em 2023 pelo Carbon Brief. A diferença nas emissões se devia sobretudo à destruição de florestas nos territórios colonizados, que incluíam a Índia e a Nigéria, antes de sua independência.
Contudo, nem todas as ações do Reino Unido apontam na mesma direção, no que diz respeito ao combate dos efeitos do aquecimento global. “O Reino Unido, no ano passado, participou de uma polêmica por estar autorizando um dos maiores campos de exploração de petróleo do mundo. São escolhas que parecem um pouco incoerentes para um país que pretende ser um líder na questão climática”, critica Herschmann.
Vale considerar também que, há não muito tempo, parte significativa das emissões de gases de efeito estufa do planeta vinham justamente daquela região. Para o membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e coordenador do Programa FAPESP de Mudanças Climáticas Globais, Paulo Artaxo, não há muito o que comemorar no caso do Reino Unido. “Há 30 anos, eles geravam a maior parte de sua energia a partir da queima do carvão, maneira extremamente suja de obter energia e com enormes emissões”, explicou.
“Ainda assim, é muito importante que alguns países desenvolvidos possam dar o exemplo de como mudar de matriz energética para uma mais sustentável sem afetar severamente o crescimento econômico. Muitas nações já mostraram que isso é possível e altamente desejável”, completou
De qualquer forma, o pedido de Boris Johnson chamando outros líderes mundiais à ação e pedindo união na luta pelo meio ambiente não pode passar despercebido. As boas ações do Reino Unido, embora não uníssonas, têm o poder de inspirar e apoiar outras nações, a exemplo do próprio Brasil.
Potencial brasileiro
Para Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), porém, o Brasil não está em uma posição de seguir outros países, mas sim em uma posição de dar o exemplo. “Na verdade, acho que os outros países têm que seguir o Brasil, tanto na geração de energia limpa quanto na agricultura com baixo carbono. Se o desmatamento cair bastante, seremos um país com emissões líquidas muito baixas”, justifica. “Temos que avançar em algumas áreas, mas não é simples. Pensemos no tamanho do Brasil comparado com tantos outros… não é fácil.”
Por enquanto, embora o país tenha tomado algumas decisões consideradas positivas em relação ao meio ambiente, certas controvérsias têm sido notadas. No final do ano passado, por exemplo, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que existe a expectativa de que a estatal receba a permissão do Ibama para perfurar um poço exploratório de petróleo e gás na Bacia da Foz do Rio Amazonas, no Amapá.
Quando confrontado com uma situação semelhante, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, pediu o fim da exploração de petróleo na Amazônia. “Para além do Reino Unido, o Brasil poderia seguir também o exemplo colombiano, que barrou a extração de petróleo em uma área sensível. Enquanto isso, temos por aqui um plano de expansão energética da Petrobras, que busca alastrar suas atividades”, disse Herschmann.
“O país tem um papel fundamental nas questões da mudança climática e conta com vantagens estratégicas únicas. Temos um potencial de geração de energia solar e eólica sem paralelo. Temos um programa de biocombustíveis sem igual no mundo. Precisamos aproveitar essas vantagens de que desfrutamos para tornar o Brasil um exemplo mundial de sustentabilidade”, opinou Artaxo.