Presente em quase toda a Amazônia brasileira, o uirapuru, pássaro de plumagem pardo-avermelhada, é dono de um canto único na floresta. Ele é conhecido por cantar de dez a 15 minutos seguidos sem repetir uma nota da melodia, e a sua agilidade faz com que seja difícil de avistá-lo na natureza. Em média, ele pesa 24 gramas e mede 12 centímetros – e o aquecimento global está fazendo com que ele se torne ainda menor. Uma pesquisa publicada em 2021 sobre as consequências das mudanças climáticas em pássaros que vivem em regiões intactas da Amazônia mostrou que o uirapuru reduziu 6% do seu tamanho em quatro décadas, ao mesmo tempo em que ganhou 2% em tamanho de asas.
A forma como a mudança do clima gera impactos nas aves está sendo estudada com cada vez mais recursos. Em regiões remotas, a tecnologia se tornou uma aliada para a captação de dados que podem trazer respostas sobre a biodiversidade da floresta. Conduzida pelo Greenpeace Brasil, a expedição “A Amazônia Que Precisamos” tem uma equipe de avifauna que concilia o uso de poderosos gravadores com análise de dados para estudar as espécies que vivem na região do rio Manicoré, no interior do Amazonas.
Os mais de 30 cientistas que compõem o projeto – a maioria vinculada ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) – levaram a campo onze gravadores, distribuídos em diferentes pontos ao longo da área pesquisada. Os aparelhos ficam ligados por horas e são capazes de captar os mais sutis sons da natureza. A cada dez minutos, sessenta segundos são gravados.
Recolhidos os instrumentos, o conteúdo das gravações é analisado por um algoritmo que descarta o que não for compatível com os barulhos emitidos por pássaros. Por causa do canto característico das aves, é relativamente simples identificar os sons e saber de qual animal se trata.
Com isso, os pesquisadores registraram 262 espécies de um total estimado em 590 na região. Os dados coletados ao longo da empreitada contribuirão para o Plano de Gestão do Território de Uso Comum do Rio Manicoré. A ideia é fornecer cada vez mais informações sobre os pássaros que vivem ali para aprofundar o conhecimento científico sobre a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo.
“Pesquisadores concordam que a Amazônia está próxima a um ponto de não retorno, no qual a floresta não será mais capaz de se manter e provavelmente secará, perdendo enorme parte de sua biodiversidade e de valor de conservação”, afirma Rômulo Batista, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil. “O ritmo de destruição da Amazônia é, infelizmente, muito mais veloz do que o ritmo das pesquisas conduzidas na região.”
“Um mundo sem aves será catastrófico para o ser humano”
Entender as consequências do aquecimento do planeta para as espécies de pássaros faz parte do esforço para mensurar a crise da perda de biodiversidade que está em curso no planeta. De acordo com um estudo da ONG WWF, das mais de 4.300 espécies de vertebrados analisadas, o planeta perdeu 68% da população desses animais entre 1970 e 2016. Por causa da perda global desenfreada de biodiversidade, o atual período é conhecido como a Sexta Extinção em Massa.
Além de serem animais atraentes e chamativos pelas cores de suas pelagens e pela sonoridade de seus cantos, os pássaros são essenciais para o meio ambiente. “As aves têm um papel importante para diversos serviços ambientais, como o controle de insetos, a remoção de animais mortos por urubus, a polinização de flores e a dispersão de sementes, sem contar com a fertilização do solo e o papel indireto no estoque de carbono”, explica Mauro Galetti, professor do departamento de ecologia na Universidade Estadual Paulista.
“Como 90% das árvores das florestas tropicais necessitam de animais para dispersarem suas sementes, e as árvores são importantes para estocar e retirar carbono da atmosfera, pássaros mitigam as mudanças climáticas indiretamente”, afirma. “Um mundo sem aves será catastrófico para o ser humano.”
Contudo, estudos mostram que os pássaros são extremamente vulneráveis ao aquecimento global. Publicada no periódico científico Proceedings of the Royal Society B, uma pesquisa feita por cientistas da Universidade de Durham, no Reino Unido, e do Centro de Pesquisa de Biodiversidade e Clima Senckenberg, na Alemanha, analisou as mudanças pelas quais as aves vão passar até o ano de 2080.
O estudo teve como base projeções da distribuição de pássaros em dois cenários futuros distintos: um onde há pouca emissão de gases de efeito estufa, e outro onde há média emissão. O objetivo era entender como esse fator poderia afetar a forma como as aves se espalham pelo mundo. Mais de 8.760 espécies distribuídas em diferentes países foram investigadas.
Como resultado, os pesquisadores concluíram que a perda de espécies será mais comum nas regiões tropical e subtropical. Mesmo os animais que não vivem nessas áreas serão impactados, muito provavelmente por meio da diminuição do número de espécimes.
“Pode ser, por exemplo, que uma espécie migratória não migre mais em função de não esfriar tanto. Assim, ela não realizará suas funções na região para onde iria migrar, o que afeta o ambiente lá. Nesse caso, a espécie de ave se mantém, mas o fato dela não migrar impacta o ambiente”, relata Luiz dos Anjos, professor da Universidade Estadual de Londrina e membro do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Ornitologia. “O uso de gravadores pode antecipar quais espécies estão sendo afetadas, e então podemos proceder com medidas mitigatórias para diminuir o impacto das mudanças climáticas.”
A tecnologia a favor da natureza
A tecnologia é uma valiosa aliada da conservação. Drones, por exemplo, são usados para monitorar espécies a partir do registro de seus hábitos e do mapeamento da presença dos animais em diferentes regiões, além de gravar vídeos e tirar fotos. O material produzido é analisado por pesquisadores e os dados podem ser usados para pensar em estratégias que protejam o ambiente natural.
Um caso de sucesso aconteceu nas Ilhas Galápagos, onde uma espécie invasora de rato se tornou predadora de aves nativas. Em determinados lugares, pesquisadores usaram drones para aplicar veneno de rato e restaurar a ordem natural da ilha. Drones também são usados para espalhar sementes de plantas, o que pode contribuir significativamente para a manutenção da flora.
Recentemente, cientistas britânicos encontraram na tecnologia uma solução para corais ameaçados de extinção. Os pesquisadores criaram robôs que lembram águas-vivas e que, ao nadar no mar, podem observar e explorar corais de formas que mergulhadores dificilmente conseguiriam.
Outro exemplo é o uso de transmissores. Em certas porções da África, esses aparelhos são usados em animais para enviar aos pesquisadores diversos dados sobre o indivíduo em tempo real. Além de informar a localização, os transmissores contêm sensores de movimento que ativam alarmes se o animal estiver fisicamente estressado. No caso de rinocerontes, o mecanismo detecta se há chances de o chifre estar sendo cortado por caçadores.
Com diferentes dispositivos e equipamentos, cientistas têm um volume enorme de dados para compreender o comportamento de outros animais. Por meio de softwares e algoritmos, os pesquisadores conseguem analisar quantidades enormes de informação em apenas alguns segundos. Tudo que é coletado sobre hábitos, alimentação, predadores e presas de um animal pode ser compilado de forma mais rápida e eficiente em comparação a um trabalho manual.
Com o progresso da tecnologia, proteger espécies ameaçadas deixou de ser uma atividade exclusiva de especialistas. “Hoje, existem diversos aplicativos no celular que ajudam a monitorar plantas, aves e outros animais”, conta Galetti. “O iNaturalist, por exemplo, ou o Merlin, que é específico para aves, são de grande utilidade.”
A tecnologia usada para fins de conservação avançou tanto que hoje é acessível para qualquer pessoa que tenha um smartphone e conexão de internet. Cabe a cada um usá-la da melhor forma possível para garantir o bem-estar do meio ambiente.