16.03.2023

Mudanças climáticas aumentam conflitos entre humanos e vida selvagem, mostra estudo

Informações sobre confrontos impulsionados por transformações do clima permitem desenvolver políticas ambientais para proteger a biodiversidade
Foto: Hans Jurgen Mager/ Unsplash
Imagem de um urso polar passeando pela neve.

A relação entre humanos e espécies da vida selvagem é historicamente marcada por conflitos. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), até 40% do solo do planeta está degradado, o que demonstra como diferentes espécies da biodiversidade perderam áreas de habitat natural. 

Conforme os humanos se aproximam cada vez mais de animais não domesticados, as chances de confrontos se tornam maiores. Agora, um novo estudo publicado no periódico científico Nature Climate Change mostrou que a mudança do clima é um fator que aumenta a ocorrência dos embates. 

As conclusões são preocupantes: no Canadá, conflitos envolvendo danos à propriedade, encontros com risco de vida ou assassinatos de ursos polares triplicaram em 30 anos; houve aumento de 400% nos casos de baleias emaranhadas em equipamentos de pesca no Oceano Pacífico, levando a lesões e mortalidade de baleias e ao encerramento de atividades pesqueiras; e foi verificado o aumento de 360% dos casos de incidentes com mordidas de tubarão na África do Sul. Nestes casos, e em outros evidenciados no artigo, alterações de padrões climáticos foram identificadas como vetores para os problemas.

Segundo a autora principal do artigo e professora de biologia na Universidade de Washington, Briana Abrahms, os pesquisadores encontraram “evidências de conflitos entre pessoas e animais selvagens exacerbados pelas mudanças climáticas em seis continentes, em cinco oceanos diferentes, em sistemas terrestres, em sistemas marinhos, em sistemas de água doce e envolvendo mamíferos, répteis, aves, peixes e até invertebrados”. 

No caso dos ursos polares, por exemplo, o aquecimento da temperatura média do planeta interfere no período de congelamento do gelo marinho. Consequentemente, os ursos passam mais tempo no continente em busca de comida. 

No Oceano Pacífico, ondas de calor marinhas resultaram em dois impactos: as baleias se aproximam mais da costa do que o usual e a mudança na temperatura do mar atrasa a abertura do intervalo de pesca, o que leva ao aumento da sobreposição espacial e temporal entre as baleias e as atividades pesqueiras. 

Por fim, um forte El Niño aumentou a temperatura do ar e da superfície do mar, interferindo na distribuição de tubarões-brancos perto da costa, ao mesmo tempo em que as pessoas passaram mais tempo dentro da água.

“Embora cada caso individual tenha sua própria gama de diferentes causas e efeitos, esses conflitos climáticos são realmente onipresentes”, disse Abrahms.

DESAFIOS HISTÓRICOS

Há casos em que as mudanças do clima se tornaram um vetor para um conflito improvável, como no caso de ursos polares que começaram a procurar por comida em ambientes urbanos, e há situações tradicionais que podem ser intensificadas por transformações em padrões que atravessam gerações. 

Para a especialista em conservação do WWF-Brasil, Helga Correa, esse é o caso do Pantanal. Nos últimos anos, o clima do bioma mudou e as temperaturas aumentaram. As condições se tornaram mais propícias para incêndios florestais, fenômeno que afeta diversas espécies e, principalmente, os animais menores, que são mais afetados pela morte direta. 

“No Pantanal, um dos fatores mais importantes dentro do conflito com seres humanos é a relação com a onça-pintada por causa da predação de animais de rebanho. Sendo assim, os efeitos das mudanças climáticas no Pantanal acentuam os conflitos existentes na região”, disse Correa.

Outro animal emblemático é o boto-cor-de-rosa por causa da competição com pescadores pelo peixe. De acordo com Correa, o estresse hídrico na Bacia do Araguaia intensificou o problema graças à redução da superfície de água a partir da alteração da vazão dos rios e da qualidade da água, o que ameaça as espécies de peixes. 

“Dado que a natureza do conflito com seres humanos envolve a competição pelo pescado, as mudanças climáticas acentuam tanto o conflito envolvendo o emalhe de botos em redes de pesca, como a vulnerabilidade dos botos presos em canais secos que acabam sendo feridos pelas comunidades”, afirmou. 

SOLUÇÕES PARA A BIODIVERSIDADE

De acordo com a bióloga e coordenadora da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), Aliny Pires, são três frentes principais que podem sofrer alterações por causa da mudança do clima: o aumento da taxa de encontro entre pessoas e a vida selvagem, o aumento de comportamentos mais agressivos nos encontros indesejados e a ação humana como vetor que potencializa esses encontros, como o desmatamento, por exemplo, que reduz a área necessária para o equilíbrio da biodiversidade.

“Ao entendermos que as mudanças climáticas são um vetor que podem potencializar os encontros indesejáveis e as relações conflituosas, a ação necessária é mitigar o aquecimento global”, afirmou Pires. 

Segundo a coordenadora do BPBES, é essencial controlar o desmatamento e reduzir as taxas de perda de habitat das espécies. 

“Com um clima desfavorável, os animais vão se deslocar em busca de um local mais favorável. Por isso, os ambientes precisam ser coerentes com a área de vida dessas espécies e com o manejo adequado. Isso significa ter um desenho de áreas protegidas no país que entenda esse comportamento potencial ao considerar as mudanças climáticas”, disse.

Jornalista especializada em meio ambiente e sustentabilidade e cofundadora do Nosso Impacto

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