Recentemente, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento sobre a questão do marco temporal, que pode definir a legitimidade da ocupação de determinadas áreas do território brasileiro por povos indígenas.
De acordo com a tese jurídica do marco, só poderia haver demarcação de terras se indígenas já estivessem vivendo no local no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal.
Do ponto de vista dos indígenas, o marco temporal é uma violação aos direitos dos povos originários, uma vez que eles defendem que a habitação de um território não deveria ser limitada pela data da Constituição, e sim determinada pela posse histórica da terra.
Assim, a retirada de diversos povos de locais onde eles vivem há décadas ou séculos por causa do marco temporal é vista com maus olhos pelos defensores dos direitos indígenas.
Essa linha de pensamento argumenta que o marco afronta o artigo 231 da Constituição, onde se estabelece que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
Os apoiadores desse raciocínio compreendem que, com base nesse dispositivo, deve-se entender que os indígenas têm direito às terras que ocupam tradicionalmente, e não apenas àquelas em que habitavam a partir de 1988.
Mais um ponto frequentemente mencionado por aqueles que defendem a não aprovação do marco temporal baseia-se no argumento ambiental de que terras indígenas são mais bem preservadas do que as demais, de modo que proteger as terras indígenas seria também proteger o meio ambiente.
Segundo o Mapbiomas, nas últimas três décadas somente 1,6% da perda de vegetação nativa brasileira ocorreu dentro de territórios comandados por povos originários.
Um aspecto que deve ser considerado na discussão sobre o marco temporal é o impacto nas disputas de terras entre os povos originários e os ruralistas.
Espera-se que o entendimento de que são considerados territórios legitimamente indígenas somente aqueles ocupados desde 1988 seja aceito deforma pacífica, mitigando as discussões entre esses dois grupos?
Ou a tese de que terras tradicionalmente habitadas por povos indígenas de fato pertencem a eles independentemente da promulgação da Constituição seria mais eficaz para assentar essa disputa?
A resposta aparentemente mais provável é a de que nenhuma dessas alternativas poderia pôr um fim definitivo à disputa, que envolve diversos aspectos jurídicos, sociais e financeiros.
Atualmente, o placar da votação no STF está 4 a 2 contra a tese que limita as demarcações. Os ministros Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Edson Fachin e Alexandre de Moraes votaram contra a tese, enquanto André Mendonça e Nunes Marques se posicionaram a favor. O julgamento está suspenso e será retomado em breve.
Nas mãos dos ministros do Supremo Tribunal Federal está uma decisão que afeta não apenas os povos indígenas em si, mas territórios que pertencem indiretamente a toda a população brasileira.
O assunto envolve desde direitos humanos até a interpretação de dispositivos legais que geram discussão mesmo entre especialistas e juristas, de forma que o debate deve prevalecer para além da decisão do STF.