Ao unir indicadores socioeconômicos, físicos e ambientais, cientistas brasileiros criaram um índice que revela diferentes graus de vulnerabilidade socioambiental conforme as particularidades de cada região. Chamado de Índice de Vulnerabilidade Socioambiental (Sevi), a abordagem foi utilizada em análises das bacias dos rios Parnaíba e São Francisco, ambas no Nordeste.
O estudo demonstrou que problemas ligados ao desenvolvimento sustentável precisam considerar características específicas de cada região. Dessa forma, os cientistas avaliaram que o Sevi contribui para subsidiar programas como o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) e outros projetos de governo voltados à recuperação de áreas degradadas.
Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Sustainability por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Algumas das conclusões incluem o entendimento de que, na região do Parnaíba, o principal obstáculo para problemas socioambientais é o déficit de renda e de condições para o desenvolvimento humano; no São Francisco, o problema gira em torno de questões de densidade populacional, degradação de solo e clima.
A pesquisa teve apoio da FAPESP e do projeto Forests 2020, que é parte do International Academic Partnership Program (IAPP), da Agência Espacial do Reino Unido, reunindo especialistas em monitoramento florestal de diversos países.
Para a bióloga Rita Marcia da Silva Pinto Vieira, primeira autora do trabalho, o índice permitiu consolidar a ideia de que sustentabilidade não se relaciona somente com o clima, fatores ambientais e degradação do solo, mas inclui um componente humano e de biodiversidade que não deve ser ignorado.
Caatinga e Cerrado na mira do Sevi
As bacias analisadas pelo Sevi estão nos biomas da Caatinga e do Cerrado, dois dos ecossistemas mais ameaçados no Brasil e que precisam do redirecionamento de políticas públicas para preservar a biodiversidade e as fontes de renda da população.
A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro e, por isso, é considerada um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta. Apesar do clima semiárido, a região apresenta vida animal e vegetal diversificada: ela abriga mais de 5.000 espécies de plantas e diversas espécies endêmicas da região.
A principal fonte de renda da Caatinga é a pecuária, mas a maioria da população é de pequenos agricultores que vivem com a venda de produtos típicos do bioma, como umbu, licuri, caju e o maracujá-da-caatinga.
Os baixos investimentos na preservação do bioma e as desigualdades sociais aumentaram a vulnerabilidade das poucas áreas protegidas. Segundo um mapeamento da Universidade Federal do Ceará (UFC), nem 8% da Caatinga é preservada legalmente. Ao utilizar o Sevi, o estudo indica que a adoção de sistemas agrícolas diversificados e sustentáveis poderia melhorar a resiliência das culturas locais e aumentar o bem-estar dos pequenos agricultores.
Já o Cerrado é reconhecidamente o bioma mais ameaçado do país. Em 2023, a região vem batendo recordes de desmatamento. Segundo dados do Inpe, no primeiro semestre do ano os alertas de devastação cresceram 21%, o que tem impacto direto na biodiversidade e na geração de riqueza na região.
Com mais de 330.000 espécies de plantas e animais, o Cerrado abriga 30% da biodiversidade brasileira. Atualmente, são duas as principais ameaças: a monocultura intensiva de grãos e a pecuária extensiva de baixa tecnologia. O uso de técnicas de aproveitamento intensivo dos solos provoca o esgotamento dos recursos locais, o que também foi apontado pelos pesquisadores ao utilizarem o índice na região.
Previsões do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre) apontam que o crescimento do agronegócio deve ser o maior em seis anos, impulsionado pela monocultura de soja e milho. Também neste ano, grandes propriedades concentraram 48% do desmatamento ocorrido dentro de áreas privadas no bioma, como foi registrado pelo Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado.
“Recentemente, foram observados aumentos na produção agrícola – principalmente soja, milho e cana-de-açúcar – levando à intensificação do desmatamento nos biomas Cerrado e Caatinga, e associados ao aumento das taxas de erosão do solo observadas na bacia do rio São Francisco”, apontou o trabalho.
Apesar do estudo ter se debruçado sobre esses dois biomas, pesquisadores responsáveis pelo Sevi acreditam que o método pode contribuir para diversos outros ambientes através da análise de suas peculiaridades.