26.08.2021

Fogo no Pantanal ameaça onças-pintadas

O maior felino do continente americano é o principal atrativo para uma atividade milionária, agora em risco

Fotografado por Jonne Roriz

Foto: Jonne Roriz/ Nosso Impacto
Uma onça descansando na floresta.

Veículo de publicação original: VEJA

Data de publicação original: 08/27/2020

Link de publicação original: https://veja.abril.com.br/brasil/fogo-no-pantanal-ameaca-milionario-negocio-do-turismo-das-oncas-pintadas/

Na lei da selva, nada é mais antinatural do que a ideia de uma onça-­pintada abatida. Predador de topo de cadeia, ela é conhecida por se adaptar a qualquer ambiente: pode viver na copa de árvores, mergulhar em rios para caçar e percorrer longos quilômetros por terra. A cena que mostra uma onça prestes a receber tratamento no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá, é o retrato da distorção da natureza. Ao mesmo tempo que o felino pode caçar animais como capivaras, veados e até mesmo jacarés, os seres humanos são os únicos capazes de interferir em seu hábitat aponto de deixar uma das espécies mais emblemáticas em uma maca de hospital. Além de ter um papel importantíssimo para o equilíbrio do ecossistema, a onça-pintada é a protagonista de um tipo de turismo bastante valioso para o Brasil: por ano, 7 milhões de dólares circulam na região de Porto Jofre, no Pantanal mato-grossense, com a entrada de estrangeiros que querem vê-la de perto, mas nem tanto assim (para a saúde dos animais e dos turistas, a orientação é manter uma distância mínima de 10 metros).

Na lei da selva, nada é mais antinatural do que a ideia de uma onça-pintada abatida.

Na região, cerca de 90% dos visitantes são estrangeiros. Consequentemente, durante a pandemia do novo coronavírus, com as fronteiras fechadas, a atividade despencou na mesma proporção. Para a temporada deste ano, os pacotes de viagem comprados por viajantes internacionais foram remanejados no primeiro semestre. Como se apenas uma tragédia não fosse suficiente, os meses de julho e agosto, período de seca no Pantanal, chegaram com um número mercurial: o aumento de mais de 200% nos focos de calor em comparação com o ano anterior. Estima-se que cerca de 10% da área do bioma tenha sido afetada pelo fogo, mas as imagens dramáticas não diferenciam quais locais são os mais críticos. De acordo com o biólogo da ONG Panthera, Fernando Tortato, a crise começou a dar sinais preocupantes no turismo. “Alguns operadores receberam questionamentos de viajantes”, diz. “Mesmo com muitas opções de destino dentro do Pantanal, o cenário caótico pode atrapalhar a retomada econômica da região.”

O vento transporta fagulhas para áreas com pasto e vegetação, compondo o combustível para queimar.

O fogo foi extinto, mas qualquer fagulha que chegar ao parque tem o potencial de dar início a uma queimada incontrolável.

Além do clima seco, o vento transporta fagulhas para áreas com matéria orgânica disponível, como pasto e vegetação nativa, compondo o combustível para queimar. Um ponto crítico está na região da Transpantaneira, rodovia que liga Poconé, município entre os cinco com maiores números de queimadas no país, a Porto Jofre, o ponto de partida para ver as onças. O caminho é constituído por dezenas de pontes de madeira. O Parque Estadual Encontro das Águas, que abriga uma das maiores concentrações do felino no mundo, teve recentemente um primeiro episódio de incêndio e a equipe de brigadistas sedes locou para apagar as chamas no local.

Há medo e expectativa de dias ruins no ar. “Estávamos totalmente desesperados”, afirma o empresário e guia especializado em onças Ailton Lara. “O fogo foi extinto, mas qualquer fagulha que chegar ao parque tem o potencial de dar início a uma queimada incontrolável.” Com a ameaça no horizonte, empresários da região se organizaram para monitorar os focos de calor. Eles se uniram aos brigadistas e adaptaram barcos para combater os incêndios.

Em 2016, o governo de Mato Grosso estimou que o turismo no Pantanal poderia se tornar a primeira opção ecológica para o público europeu até este ano, à frente de destinos como o continente africano e a Tailândia, Quênia e África do Sul, que recebem entre 2 milhões e 5 milhões de visitantes por ano em áreas protegidas, têm receita estimada em 90 milhões de dólares. Na África como um todo, viagens para a observação de vida selvagem representam 80% das vendas anuais.

Apesar da natureza exuberante e da fama do Brasil como o país mais biodiverso do mundo, imagens como a da onça machucada, que teve as quatro patas queimadas, comprometem os planos para o setor. Além de proteger a vida selvagem, a atividade econômica traz vantagens para a população. Antes de empreender, Ailton Lara trabalhou em uma fazenda. Durante um bico como guia, ganhou uma gorjeta de uma senhora australiana, que especificou o uso do dinheiro para ele aprender inglês. Lara seguiu a orientação, aprendeu o idioma, concluiu o ensino superior e abriu uma pousada. Agora ele é recomendado pelo guia de turismo Lonely Planet e trabalha em produções de grandes documentários, como o Planeta Terra II, da BBC One. Há dinheiro para explorar a natureza. Contudo, sem a onça-pintada, não há atrativo que garanta um bom negócio.

Jornalista especializada em meio ambiente e sustentabilidade e cofundadora do Nosso Impacto

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