Para Patrícia Medici, mestre em ecologia, uma das fundadoras do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) e especialista na conservação de antas, estamos longe de ter os recursos necessários para a conservação da fauna brasileira. Com mais de duas décadas e meia de pesquisa, ela é responsável pela criação do maior banco de dados sobre antas no mundo.
Em 2015, Medici gravou uma conferência Ted Talks sobre esses animais — vídeo que foi reproduzido mais de 1,5 milhão de vezes — e como ajudar a salvá-los, já que, atualmente, eles estão vulneráveis à extinção.
Além disso, em 2020 ela venceu o Whitley Gold Award, premiação concedida todos os anos a pessoas que advogam internacionalmente em nome da biodiversidade “com a paixão e ambição para inspirar mudanças em larga escala”.
Leia, a seguir, a entrevista com Medici:
O que te atraiu às antas? Eu sempre brinco que não tenho uma história romântica com as antas. Foi um relacionamento construído. Em 1992, quando fundamos o Instituto Ipê, fizemos uma lista de animais com os quais gostaríamos de trabalhar, na qual estava a anta. Eventualmente, pesquei o animal da lista e comecei os meus projetos. Sempre quis começar algo relevante do zero, ter a experiência completa. Por isso, a espécie caiu como uma luva para mim.
Qual a importância da anta para os biomas? A anta está presente em cinco biomas brasileiros: Mata Atlântica, Amazônia, Cerrado, Caatinga e Pantanal. Sua importância é imensa, sobretudo no sentido em que se trata de uma espécie que, por ser herbívora, consome muitos frutos e os espalha pelo habitat, transportando as sementes ao longo de grandes distâncias. Com isso, ela carrega biodiversidade, tendo muita colaboração na estrutura das florestas que habita. Não à toa, ela é conhecida como a jardineira da floresta, criando e mantendo a biodiversidade.
No cenário internacional, como é vista a conservação da fauna brasileira? Ela é vista de forma bastante positiva. O Brasil é conhecido como um país que possui profissionais de pesquisa e conservação muito capacitados. Somos bem-vistos pela comunidade internacional. Dito isso, tivemos os anos do mandato de Jair Bolsonaro, durante o qual houve o desmantelamento de nossas agências ambientais, de nossas legislações, o que levou a uma preocupação e até desconfiança por parte das agências internacionais. Com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva e, sobretudo, de Marina Silva, vemos uma luz no fim do túnel nesse sentido.
Atualmente, existem recursos suficientes para preservar a fauna brasileira? Se não, o que falta? Estamos muito longe de ter recursos suficientes para preservar nossa fauna e flora. Nada está garantido. É uma luta constante. Políticas de financiamento são bastante urgentes no nosso país. Hoje, cerca de 95% do que já foi feito no âmbito em que eu trabalho foi financiado por organismos internacionais, e não brasileiros.
Os recursos que existem para preservar a fauna estão corretamente distribuídos entre os animais? Por quê? Temos diversos aspectos a serem considerados. Um deles é o grau de ameaça que cada espécie sofre. A anta, por exemplo, é vulnerável à extinção – algo a que devemos nos atentar, ainda mais quando se leva em conta o importantíssimo papel que ela tem nos biomas que habita. Há espécies sobre as quais sabemos muito pouco, sendo que não temos subsídios suficientes para mantê-las. Existem, ainda, animais mais carismáticos do que outros, ou mais valorizados por determinadas culturas. Assim, há diversos sistemas diferentes de priorização.
Qual a importância de se ensinar a população sobre a conservação de animais? Isso é crítico. Diferentes públicos de diferentes faixas de idade devem estar atentos à questão da urgência da conservação de espécies animais. Costumamos falar em exercícios necessários para promover a conservação, sendo que isso tudo começa com a educação. É algo fundamental.
O que mais atrai o jovem brasileiro à ciência? Acho que é a necessidade. Saber que ainda temos um contingente pequeno trabalhando com o assunto, embora exista muita demanda. Mas os profissionais brasileiros vêm se tornando cada vez mais capacitados e conscientes em relação às necessidades que enfrentamos, o que é muito positivo.
O que deve ser feito para que a ciência brasileira avance nos próximos anos? São dois fatores primordiais. O primeiro é a questão política no país, que deve avançar em termos de conservação. É preciso entender a urgência com que nos deparamos e agir em relação a isso. Em segundo lugar, está a necessidade de recursos financeiros e humanos para viabilizar a implementação dessas políticas.