As fortes chuvas que atingiram o Sul e o Sudeste do Brasil na segunda semana de janeiro deixaram vários prejuízos por onde passaram. Mesmo após o temporal ter diminuído, algumas regiões permanecem inundadas e cobertas de rastros de lixo.
No Rio de Janeiro, essa situação é recorrente, principalmente na Baixada Fluminense, onde é comum encontrar os rios tomados por garrafas plásticas, sacolas, móveis e eletrônicos.
Segundo o especialista em drenagem urbana e professor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Matheus Martins, quando o descarte não é feito de forma apropriada ou quando o lixo é jogado diretamente na rua, isso pode levar ao entupimento dos bueiros e, consequentemente, às enchentes.
“O lixo se acumula em torno das bocas de lobo, entope as vias e forma os bolsões d’água”, esclarece Martins. “Mesmo que a coleta esteja boa, a bacia hidrográfica gera uma série de sedimentos, terra e poeira que vão ser levados para o rio. Então, de tempos em tempos é preciso fazer uma limpeza para garantir que não esteja acumulando resíduos no fundo de forma que perca área de passagem de água”, completa ele.
A moradora do bairro de Belford Roxo e coordenadora de logística da Circoola, startup carioca de reciclagem de resíduos eletrônicos, Bruna Mendes, de 29 anos, conta que constantemente vê os próprios moradores do bairro, localizado na Baixada, descartando eletrodomésticos nas ruas e nos rios.
“Sempre que passo pelo Rio Botas, vejo as pessoas jogando geladeira, máquina de lavar, além do lixo comum”, expõe. “Infelizmente, as pessoas estão perdendo tudo. Eles estão tirando os aparelhos que foram danificados com as chuvas e jogando na rua”, disse.
Os números mostram que a falta de informação é uma das causas para o descarte impróprio. Um levantamento de 2023 da gestora de resíduos tecnológicos Green Eletron revelou que 75% dos brasileiros não sabem que os eletrônicos podem ser reciclados, se forem recolhidos corretamente.
Isso faz com que as pessoas procurem o lixo comum para deixar os resíduos, porém eles podem parar em aterros sanitários, liberando metais pesados, como chumbo e mercúrio, que contaminam a água e o solo. Por sua vez, essas substâncias podem causar danos para o meio ambiente e para a saúde humana.
“Ao enviar esses produtos para um aterro, os resíduos poderão prejudicar a vida de pessoas que vão nascer daqui a 50 anos”, afirma o professor especializado em engenharia geotécnica e ambiental da UFRJ, Claudio Fernando Mahler.
A reciclagem é a solução mais adequada para evitar esse cenário, mas, no Brasil, ela ainda é muito baixa. O país é o quinto maior produtor de resíduos eletrônicos no mundo, gerando 2 milhões de toneladas por ano. Destes, apenas 3% são reciclados.
Descarte correto tem aumentado
Essa é uma realidade que muda ano a ano. Algumas empresas voltadas para o recolhimento e a recuperação de lixo eletrônico têm buscado reverter os danos causados pelo descarte incorreto desses materiais.
Para facilitar o dia a dia de quem quer fazer a destinação adequada, a Circoola permite realizar o agendamento pelo site para buscar os dispositivos, como pilhas, baterias, fios, computadores, celulares e geladeiras, diretamente na casa das pessoas de forma gratuita.
“Todo o material passa por uma triagem. É tudo desmontado e cada item vai para um campo. O ferro vai para um campo, o cobre para outro. É como se fosse um lixo normal”, explica Mendes, coordenadora de logística da Circoola.
Através do aplicativo, é possível acompanhar em qual etapa se encontram os equipamentos recolhidos. Além disso, todo mês é feita uma atualização do que foi reaproveitado ou reciclado. Com isso, todos os componentes que iriam parar em aterros ou nas ruas, voltam para a cadeia de produção para fabricar novos produtos, promovendo a logística reversa, um dos pilares da startup.
No final de 2023, a iniciativa viu a demanda pelo serviço aumentar. Só no mês de dezembro, foram recolhidas 18 toneladas de resíduos eletrônicos.
“Quando a coleta começou, não chegava nem a uma tonelada. E foi assim por um bom tempo”, afirma Mendes.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Reciclagem de Eletrônicos e Eletrodomésticos (ABREE), a coleta de equipamentos eletrônicos aumentou 75 vezes nos últimos anos. Em 2020, o número foi de 16 toneladas. Em 2022, o volume subiu para 1.200 toneladas.
Uma das explicações para esse crescimento é a implementação do Decreto Federal 10.240/2020, que obrigou as empresas a implantarem sistemas de coleta e logística reversa para produtos eletroeletrônicos. Por causa disso, houve uma ampliação de pontos de recebimento e uma maior conscientização sobre a necessidade de separar esses itens do lixo convencional.
A meta do decreto é que, até 2025, 17% destes itens sejam reciclados anualmente. Para que isso aconteça, é necessário promover uma consciência ambiental mais ampla na sociedade, além de apoiar iniciativas que adotem princípios da economia circular. A reciclagem de resíduos eletrônicos tem um papel fundamental nesse contexto e pode garantir a mitigação dos impactos do descarte inadequado, preservando tanto as comunidades quanto o meio ambiente.