01.08.2024

De Abrolhos para a Guanabara: baleias-jubarte viraram atração no litoral do Rio

A baleia-jubarte realiza longas migrações anuais entre locais de reprodução e áreas de alimentação
Foto: Liliane Lodi/ Divulgação
Este ano as baleias-jubarte começaram a ser avistadas com frequência no Rio de Janeiro; pesquisadores tentam entender as razões do fenômeno

Autora: Liliane Lodi, Universidade Federal Fluminense (UFF)

A foto recentemente registrada pelo fotógrafo carioca Humberto Baddini, mostrando uma baleia-jubarte saltando espetacularmente sobre a superfície do mar com o Pão de Açúcar ao fundo, rodou o mundo e tornou-se símbolo de um fenômeno que vem atraindo a atenção de cariocas, turistas e, sobretudo, pesquisadores da vida marinha.

A baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae) é conhecidamente uma espécie cosmopolita. Ou seja: ela viaja o mundo. Para isso, a baleia famosa pelos cantos e pelos espetaculares rituais de acasalamento realiza longas migrações anuais, deslocando-se entre locais de reprodução nas regiões tropicais e subtropicais dos oceanos e áreas de alimentação, que podem ser tanto no oceano Antártico quanto no Ártico.

Populações reprodutivas distintas nos hemisférios Norte e Sul parecem se separar – tanto espacialmente quanto geneticamente – devido à fidelidade herdada de seus ancestrais às áreas de reprodução natais. Os chamados corredores migratórios das jubartes são como “autoestradas”, que permitem que elas se desloquem periodicamente entre as áreas de reprodução e alimentação. E esse movimento é considerado essencial para sua sobrevivência.

Em 1998, sete segmentos populacionais de baleias-jubarte foram reconhecidos pela Comissão Internacional Baleeira(CIB) em áreas reprodutivas tropicais e subtropicais. E seis outros segmentos foram determinados em áreas de alimentação no oceano Antártico, baseados nos seguintes parâmetros: dados de capturas comerciais, Discovery Tags (cilindros de aço que eram disparados contra baleias vivas e recuperados de carcaças para estudar o movimento das baleias durante a era baleeira), estudos genéticos e de foto-identificação.

No Atlântico Sul ocidental, a área reprodutiva das jubartes é frequentada pelo chamado “estoque A” (termo que denomina a população de baleias que migra para o Brasil), formado por espécies que se alimentam nas proximidades das ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, na região Antártica. No Brasil, as espécies do “estoque A” reconhecidamente reproduzem-se nas proximidades do arquipélago de Abrolhos, em frente ao litoral sul da Bahia e norte do Espírito Santo. Ou seja, todos os anos transitam das águas frias do Sul, onde se alimentam entre os meses de dezembro e maio, para o litoral nordeste brasileiro, onde fazem seus rituais de acasalamento entre junho e novembro. Mas as recentes e cada vez mais frequentes visitas ao litoral carioca mostram que isso pode estar mudando.

História: a resiliência de uma espécie

No Hemisfério Sul, a caça comercial reduziu drasticamente as populações de baleias-jubarte nos séculos XIX e XX. Em 1963, a Comissão Internacional Baleeira (CIB) estabeleceu a proibição da caça nesse hemisfério. E, ainda que algumas nações ainda a pratiquem ilegalmente, várias populações vêm aparentemente se recuperando, incluindo a do Brasil.

A capacidade das baleias-jubarte de realizar extensos movimentos migratórios pode também ter contribuído para a aparente recuperação de algumas populações em comparação com outras espécies de baleias historicamente exploradas.

Assim, em 2014 a baleia-jubarte foi retirada da Lista Oficial Brasileira das Espécies Ameaçadas de Extinção, e atualmente seu estado de conservação é considerado “Pouco Preocupante”. Ou seja, a espécie não é mais considerada em risco global de extinção, pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Jubartes no Rio de Janeiro e a flexibilidade para colonizar habitats

Em 2017, foi descoberta a existência de um corredor migratório de jubartes localizado nas imediações das Ilhas Cagarras, em frente às praias da Zona Sul do Rio de Janeiro. Em 2021, o local foi cientificamente considerado “crítico para a saúde do oceano” pela Mission Blue (Aliança Mundial para a Conservação Marinha), e nomeado como “Ponto de Esperança” para a preservação da espécie. A existência desse corredor a poucos quilômetros de uma grande metrópole foi um critério importante para a nomeação.

Desde 2011, o Projeto Ilhas do Rio realiza o monitoramento das espécies de cetáceos que frequentam as águas em frente à cidade. As linhas de pesquisa incluem a distribuição espaço-temporal, uso do habitat, comportamento, foto-identificação (tanto de movimentos quanto da frequência de uso de área) e a criação de subsídios para a criação de Áreas Marinhas Protegidas no Rio de Janeiro.

Foi em julho de 2014 que o projeto avistou pela primeira vez grupos de baleias-jubarte no litoral do Rio de Janeiro. Desde então o número de registros vem aumentando significativamente. Entre 2015 e 2024 foram contabilizados 245 avistamentos, compostos desde animais solitários até nove indivíduos. Ano após ano, os registros têm aumentado. E já se determinou que a distância da linha da costa influencia significativamente o tamanho dos grupos. Grupos menores tendem a ser encontrados mais próximos da costa quando comparados aos grupos maiores.

Apesar do Corredor Migratório compreender um trecho de deslocamento entre as áreas de alimentação e de reprodução, duas agradáveis surpresas registradas nos últimos três anos podem estar contribuindo para a conservação da espécie. Desde 2022, grupos competitivos/reprodutivos estão sendo registrados no Rio de Janeiro, indicando que a região pode não estar sendo utilizada apenas como passagem.

Estes grupos geralmente são formados por um animal nuclear, a fêmea receptiva, o acompanhante principal – que mantém uma posição privilegiada ao lado da fêmea – e os acompanhantes secundários, que desafiam o acompanhante principal. Grupos competitivos/reprodutivos compostos por quatro a nove indivíduos foram observados em nove diferentes ocasiões entre 2022 e 2024 no litoral do Rio. Em agosto de 2022 e de 2023 foram avistados três filhotes recém-nascidos, identificados pela coloração mais clara que o adulto e nadadeira dorsal ainda dobrada.

A ocorrência de grupos competitivos e de neonatos no Rio de Janeiro são indícios auspiciosos para uma espécie que não muito tempo atrás esteve à beira da extinção.

Em um futuro próximo o Rio de Janeiro poderá vir a se tornar um habitat adequado para a reprodução e cria da espécie? Ainda não se sabe. Existem lacunas de conhecimento sobre as regiões que conectam as áreas de reprodução e de alimentação. Só a continuidade dos estudos ajudará no entendimento destes padrões de migração, bem como de possíveis ameaças causadas pela proximidade dessa espécie com uma metrópole como o Rio de Janeiro.

O potencial e a responsabilidade do turismo de observação

Fato é que a presença das baleias-jubarte no litoral da capital fluminense vem provocando um novo movimento turístico, que empolga, mas requer cuidados. Passeios de barco para avistamento de baleias precisam de procedimentos que assegurem a sustentabilidade a longo prazo da observação comercial da atividade. Tanto ambientalmente como socialmente e economicamente.

Essas práticas precisam assegurar que as observações sejam conduzidam de forma que:

1) minimizem impactos negativos aos cetáceos e ao ambiente; 2) satisfaçam os clientes; 3) beneficiem as comunidades locais; 4) eduquem e inspirem o público em geral e a indústria do turismo sobre a importância capital da preservação ambiental.

O turismo embarcado de observação de animais marinhos no Brasil tem um potencial imenso e pouco explorado, e a presença de baleias numa cidade como o Rio de Janeiro pode e deve ser estimulada comercialmente. Desde que considerando os procedimentos necessários para esse tipo de operação. Por isso, selecionar uma operadora que respeite as diretrizes e a educação necessárias é fundamental, assim como a fiscalização rigorosa dos órgãos competentes.

Impacto pessoal

A observação de animais tão grandiosos quanto as baleias-jubarte, em seu habitat natural, mas a poucos quilômetros de onde nós mesmos moramos, pode ser uma experiência transformadora. E respeitadas as boas práticas necessárias, mesmo tão perto da cidade é possível observar seu comportamento natural, sem influências externas.

O que seria, inclusive, ilegal. Isso porque todos os cetáceos no Brasil são protegidos por atos e instrumentos legais que visam prevenir e coibir o molestamento intencional desses animais em nosso litoral.

Enfim, o turismo de observação de baleias é uma atividade comercial permitida e extremamente enriquecedora para quem vive a experiência. Desde que seja praticada com respeito conservacionista tanto por parte das operadoras quanto dos participantes.

Se as baleias-jubarte de alguma forma sentirem-se ameaçadas por uma pressão desordenada de visitantes – especialmente as fêmeas com seus pequenos filhotes – podem buscar outras paragens para visitar em seus períodos migratórios.

E fotos como a de Humberto Baddini jamais se repetiriam…

Liliane Lodi, Doutora em Biologia Marinha, Universidade Federal Fluminense (UFF)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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