15.03.2024

Como o Brasil pode liderar as discussões sobre o financiamento climático para enfrentar a crise do clima

De acordo com especialistas, o país tem muito a ganhar e muito a contribuir com a agenda do financiamento
Foto: Ifeoluwa A. / Unsplash
Pilha de diferentes tipos de moedas

A necessidade de se combater a mudança climática e diminuir a intensidade de seus efeitos é urgente. Para isso, porém, são necessários investimentos e aplicações de recursos. Trata-se do financiamento climático, que, de acordo com a Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, pode ser definido como o “financiamento local, nacional ou transnacional proveniente de fontes públicas, privadas e alternativas que visa apoiar ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.” 

Afinal, a cada acordo assinado em conferências que promete realizar transições e mudanças, sugerindo investimentos em energias renováveis, agricultura verde e redução da emissão de gases de efeito estufa, surge a pergunta: como a conta será paga?

De acordo com o gerente de economia da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, André Ferretti, o grande objetivo do financiamento climático é viabilizar recursos técnicos e financeiros para tentar combater os efeitos do aquecimento global. “A mudança climática é um dos principais — se não o principal – desafios da humanidade neste século”, disse.

Nesse sentido, espera-se que conversas decisivas aconteçam na Conferência da ONU sobre o Clima (COP29), que acontecerá no Azerbaijão no final do ano. Da mesma forma, a reunião seguinte, que ocorrerá em Belém, capital do Pará, em novembro de 2025, deverá trazer como prioridade discussões acerca do financiamento climático para países em desenvolvimento.

Do papel à prática

A grande dificuldade quando se trata desse assunto tem sido tirar as promessas do papel. No ano de 2015, em que foi assinado o Acordo de Paris, países desenvolvidos acordaram em enviar cem bilhões de dólares para ajudar os países em desenvolvimento a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. 

No entanto, a transferência de recursos jamais aconteceu. Mais recentemente, em 2022, a COP27 trouxe promessas da criação de um fundo para compensar perdas e danos provocados por desastres naturais. Contudo, nada ainda foi feito.

Como forma de tentar encontrar uma solução, diversos países têm buscado alternativas por conta própria. O Brasil, por exemplo, possui algumas iniciativas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Um caso é o do Fundo Clima, que incentiva a compra de equipamentos mais eficientes e motiva projetos verdes ligados ao uso de espécies nativas.

A nível global, há muitos desafios que envolvem o financiamento climático. Segundo um relatório da Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicado em março de 2023, alguns desses obstáculos são: a insuficiência do volume de recursos necessários para atender às necessidades globais de mitigação e adaptação ao clima; a falta de transparência que garanta que o financiamento seja usado de maneira eficiente e que os resultados sejam monitorados e relatados; e a existência de desafios políticos, incluindo a oposição a mudanças de peso nos sistemas energéticos e econômicos.

Para o diretor-executivo do Centro Brasil no Clima (CBC), Guilherme Syrkis, a questão política não pode ser menosprezada. “A preocupação com a possível volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, os impactos da guerra na Ucrânia e os desdobramentos da guerra em Gaza destacam a volatilidade e a vulnerabilidade do financiamento climático global. Esses eventos geopolíticos têm o potencial de desviar a atenção e os recursos financeiros prioritários em detrimento dos investimentos em ações climáticas essenciais”. 

Para Syrkis, o Brasil precisa receber mais recursos dos países ricos, historicamente grandes emissores de gases poluentes, para conter o desmatamento e promover uma transição energética justa e o desenvolvimento de uma nova indústria de baixo carbono. “Nesse contexto, a necessidade de mecanismos inovadores de financiamento e uma cooperação internacional mais forte e efetiva se torna ainda mais premente,” concluiu.

Benefícios para a sociedade

Além de ajudar com a mitigação dos efeitos da mudança climática, há muitos outros benefícios que o Brasil pode obter com a chegada e o investimento de recursos no combate ao aquecimento global. 

De acordo com o professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e especialista em desenvolvimento sustentável e avaliação de impactos ambientais, José Barbosa Filho, existe também a geração de postos de trabalho, de forma que a aplicação de capital em energias renováveis e práticas sustentáveis pode gerar empregos verdes. Consequentemente, a prática contribui para o crescimento econômico, além de melhorar a posição da nação nas negociações internacionais sobre clima, demonstrando compromisso com a agenda climática global.

Segundo Syrkis, o país encontra-se em posição especialmente importante no cenário do financiamento climático. “Com a presidência do Brasil no G20 e os preparativos para a COP30, em Belém, o país pode liderar e influenciar a agenda global de financiamento climático”, disse. 

Com o atual cenário diplomático, o Brasil deve enfatizar a importância de uma transição energética justa, o combate ao desmatamento e todas as práticas ilegais na Amazônia, disse o diretor-executivo do CBC. “A ênfase em desenvolver projetos de bioeconomia, socialmente inclusivos, pode ajudar a garantir o contínuo apoio da comunidade internacional aos desafios que o Brasil enfrenta”, afirmou. 

Assim, fica claro que o momento internacional é único. Com o aumento das discussões sobre financiamento climático e a posição especial do Brasil nesse cenário, trata-se de um contexto de esperança no poder dessa transferência de recursos, que pode ser determinante na mitigação dos efeitos da mudança climática.

Jornalista formada pela ECA-USP e graduanda em Direito pela PUC-SP

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