Trens-balas com configurações baseadas na aerodinâmica de aves, pás de turbinas eólicas inspiradas por nadadeiras de baleias, prédios com design térmico influenciado pelos hábitos de cupins. São diversos os exemplos de casos em que o homem encontrou na natureza uma orientação para construir ou aperfeiçoar suas criações. Esse é o papel da biomimética, área da ciência que procura na natureza soluções para questões do dia a dia.
O termo vem do grego “bio” (vida) e “mimeis” (imitação), se referindo à utilização da lógica da interação e funcionamento de seres vivos e das dinâmicas de que participam para os mais variados fins. Um dos propósitos a que a biomimética tem sido aplicada são os negócios, de modo a levar ao mundo corporativo conhecimentos acumulados ao longo de mais de 3,8 bilhões de anos pela natureza.
De acordo com o fundador e diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), Clóvis Borges, “a natureza faz parte dos negócios pelo simples fato de que precisamos dela e de seus serviços para manter nossas atividades corporativas. O impacto no meio ambiente será maior ou menor dependendo do tipo e do porte de um negócio, mas sempre haverá um saldo a ser pago”.
“O que procuramos realizar com as corporações é um esforço de compreensão de que agregar o custo da natureza aos negócios é algo que deve ser considerado um condicionante para um posicionamento correto no mercado. Ou seja, a prática não pode ser apenas uma opção de marketing, mas uma evolução necessária na gestão ambiental corporativa”, completou.
Nesse sentido, o Ekôa Park, parque de experiências ecológicas voltado à educação, conservação e conexão ambientais localizado no litoral do Paraná, é considerado um dos pioneiros no Brasil. Desde 2019, o local abriu para empresas algumas vivências com biomimética e recebeu mais de 3.000 pessoas para as formações. Entre as corporações que investiram em incursões no parque estão Renault, Grupo Boticário e Cargill.
Para a idealizadora e fundadora do Ekôa Park, Tatiana Perim, a escala temporal da vida na Terra é um fator de conhecimento acumulado. “Considere isso: as formigas têm sido incrivelmente trabalhadoras por milhões de anos. A produtividade delas nutre plantas, animais e o solo. Comparativamente, a indústria humana está em pleno andamento há pouco mais de um século, mas provocou um declínio em quase todos os ecossistemas do planeta”, disse.
“A natureza não tem um problema de design. Pessoas, sim. Então, vejo que a biomimética pode melhorar o design de como fazemos negócios, produtos e serviços”, concluiu.
Um exemplo de trabalho com biomimética é a dinâmica Jogo da Vida. No evento, os participantes constróem um terrário, recipiente onde se reproduzem as condições necessárias à vida de diferentes seres, representando um grande sistema colaborativo com partes independentes, porém interconectadas. A ideia é fazer um paralelo entre o ambiente criado dentro do terrário e o ambiente corporativo.
Aos poucos, o tema ganhou espaço pelo país. Não à toa, o documentário Biocêntricos, dedicado a destrinchar o assunto, foi produzido. O filme está na seleção da 46ª Mostra de São Paulo e tem como narradora a bióloga norte-americana Janine Benyus, cientista responsável por criar o termo e divulgar a prática da biomimética no mundo. O documentário, dirigido por Fernanda Heinz Figueiredo e Ataliba Benaim, é resumido da seguinte forma: “percorrendo diversos cantos do planeta, Janine revela o nascimento e os princípios que orientam a biomimética”.
De forma geral, já foram concebidas soluções interessantes a problemas humanos a partir de observações da natureza. Alguns exemplos são a criação de fibras mais resistentes do que o nylon inspiradas em teias de aranha e lâmpadas LED baseadas na luz emitida por vagalumes.
Em tempos em que o conceito ESG (que define parâmetros ambientais, sociais e de governança em empresas) ganha popularidade, as antigas formas de gestão de negócios são insuficientes para cumprir os desafios impostos pela atualidade. Nesse sentido, a biomimética aparece como um recurso para permitir que as empresas reduzam seus custos, aumentem a produtividade e melhorem as condições de trabalho e a integração entre seus profissionais.
Esse é o caso da montadora Renault. De acordo com o engenheiro de logística da empresa, José Eduardo Coelho, “foi de suma importância incorporar o conceito de biomimética. Estávamos em busca de referências e insights que pudessem servir como modelos, tanto dentro do nosso ramo de atuação quanto em outros. Precisávamos de inspiração com exemplos tangíveis de como a interação, cooperação, conexão e o uso responsável e sustentável dos recursos podem aprimorar nossos processos e relações cotidianas”.
Segundo Coelho, ao incorporar os princípios da biomimética à mentalidade corporativa, os ganhos vão além da preservação do meio ambiente e se estendem a fortalecer a resiliência dos negócios. “A sustentabilidade não é apenas um objetivo nobre, mas também uma estratégia inteligente para garantir nossa viabilidade a longo prazo. Ela reduz riscos e fortalece nossas relações com clientes, parceiros e a comunidade em geral”.