Durante o mês de maio, cidades gaúchas, incluindo a capital Porto Alegre, ficaram debaixo d’água. As imagens de casas submersas, resgates com botes e animais ilhados em telhados mostraram o potencial da intensidade de eventos climáticos extremos, que serão cada vez mais frequentes com o aquecimento global. Diante dos desafios, o conceito de cidade-esponja despontou como uma das abordagens possíveis para minimizar os impactos de temporais e enchentes.
Criada pelo arquiteto e urbanista chinês Kongjian Yu, a proposta defende a adoção de infraestruturas verdes, como parques, zonas úmidas e reservas naturais, e usar os espaços urbanos para criar balanços hídricos artificiais, com espaços nos quais a água pode ser absorvida e para onde ela possa escoar.
De acordo com Yu, barragens de cimento e tubulações impermeáveis não são mais capazes de acompanhar os efeitos causados pelas mudanças climáticas. Com chuvas mais intensas e o aumento do nível do mar, as atuais estratégias de escoamento de água são insuficientes para lidar com o volume de água que chega às cidades.
Quando um desastre acontece, os efeitos são devastadores. No Rio Grande do Sul, 471 municípios foram afetados. Até o momento, a tragédia deixou mais de 2,3 milhões de vítimas, com quase 50.000 atingidos em abrigos, mais de 800 feridos, 39 desaparecidos e 175 óbitos confirmados. Em 2023, as enchentes no Vale do Taquari atingiram 359 mil pessoas, deixaram 5 mil pessoas desabrigadas, 21 mil atingidos desalojados e resultaram na morte de 47 pessoas.
Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), nos últimos 50 anos, 44% dos desastres naturais foram associados a inundações e 17% a ciclones tropicais. Na América do Sul, as dez principais catástrofes registradas foram responsáveis por 60% do total de vidas perdidas e 38% das perdas econômicas. Inundações representam 90% dos eventos na lista dos dez principais desastres por número de mortos e 41% da lista dos dez principais por perdas financeiras. No geral, enchentes levaram ao maior número de desastres, à maior perda de vidas e ao maior prejuízo econômico para a região durante o período de meio século.
Segundo o coordenador de áreas urbanizadas do Mapbiomas, Julio Pedrassoli, o conceito de cidade-esponja é recente, mas a ideia remonta aos primórdios do planejamento urbano e é prevista na legislação brasileira, tanto em normas municipais quanto federais, como a lei 10.257 de 10 de julho de 2001, que garante o acesso a cidades sustentáveis.
De acordo com a paisagista urbana e integrante da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Cecília Herzog, medidas para aumentar a absorção de água nas cidades são importantes, mas a estratégia precisa ser integrada à bacia hidrográfica como um todo.
“Caso apenas os centros urbanos, como Porto Alegre, tenham estratégias para gerenciar a água, as medidas serão insuficientes quando grandes volumes forem escoados a partir das bacias hidrográficas”, afirmou Herzog.
Tendência global
Assim como o Brasil, outros países enfrentam o desafio de lidar com enchentes e buscam soluções nos conceitos de cidades-esponja. Como berço da ideia, a China tem mais de 30 cidades com adaptações em andamento para intensificar a capacidade de absorção de água e transformou o conceito em uma política pública. As cidades de Montreal e Toronto, no Canadá, criaram parques e instituíram telhados verdes para lidar com a água.
Berlim, capital da Alemanha, se tornou um modelo de cidade-esponja, com edifícios cobertos por paredes verdes, telhados e terraços com jardins, além de grossas camadas de solo de até 80 centímetros de profundidade. Valas à beira da estrada, entre calçadas e ruas, criam uma zona úmida urbana em miniatura, que pode reter água como uma esponja e alimentar o lençol freático.
De forma geral, as intervenções nas cidades consistem em medidas que diminuam a impermeabilidade do solo com a ampliação de áreas verdes, a exemplo de praças e parques. Contudo, a expansão urbana em muitas cidades brasileiras levou em consideração apenas os interesses do mercado imobiliário, e não as necessidades básicas da população.
“É preciso cobrar os governantes e alterar a forma de pensar a urbanização hoje. Levar a natureza para as cidades é urgente e cada local definirá como isso será feito”, afirma Herzog, sobre o papel do poder público nesta questão.
Desafio histórico
No caso de Porto Alegre, uma enchente histórica em 1941 marcou a memória da cidade. Em maio daquele ano, o Guaíba registrou a alta de 4,76 metros, que, até a tragédia deste ano, era a maior medição de todos os tempos.
Por conta desse intervalo temporal, Pedrassoli acredita que o esquecimento por parte da população e a falsa percepção de segurança contribuíram com a falta de planejamento adequado. “Desde 2023, os gaúchos estão vivendo dois anos consecutivos de enchentes intensas. O assunto voltou ao centro das atenções, mas o planejamento precisa ser feito antes que os desastres aconteçam”, afirmou.
Ao mesmo tempo em que a urgência diante da tragédia estimula a implementação de soluções possíveis de serem colocadas em prática no curto prazo, é preciso mudar a estratégia para o futuro. As cidades são planejadas, principalmente, para carros, ônibus e caminhões, em uma lógica que demanda o uso intensivo de concreto. Além de mitigar o efeito de enchentes, as cidades-esponja promovem a urbanização verde. “Podemos ter uma economia baseada na natureza, que gere novos empregos e promova a melhoria da qualidade de vida”, disse Herzog.