A construção civil é um dos setores mais poluentes no mundo – de acordo com um relatório de 2022 da Organização das Nações Unidas (ONU), a área foi responsável por mais de 34% da demanda por energia e cerca de 37% das emissões de CO2 relacionadas a energia e processos em 2021. Em 2022, a construção civil registrou uma alta histórica de 10 gigatoneladas, se distanciando cada vez mais das metas de descarbonização do Acordo de Paris.
Como uma das estratégias para reverter esse cenário, a técnica de coprocessamento substitui combustíveis fósseis por biomassas e resíduos na geração de energia. Um exemplo prático é o da Votorantim Cimentos: no município de Primavera, no interior do Pará, a empresa trocou 62% da demanda por combustível para a produção de cimento na fábrica local por caroços de açaí.
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O sucesso do açaí
O Pará é o maior produtor de açaí no Brasil e o cultivo está presente em 114 municípios do estado. De acordo com dados da Produção Agrícola Municipal (PAM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), foram produzidas 1,6 milhões de toneladas em 224,04 mil hectares, representando uma produtividade de 7,12 toneladas por hectare, e com valor de produção de 5,93 bilhões de reais em 2022. A demanda crescente também é um sinal de alerta: estudos mostram que a expansão de fazendas de açaí está motivando o desmatamento e reduzindo a biodiversidade em algumas regiões da Amazônia.
Para o gerente de Sustentabilidade e Energia da Votorantim Cimentos, Fábio Cirilo, a realidade local é um ponto de atenção, mas o interesse de grandes empresas pelo resíduo estimula a estruturação de cadeias comerciais. “Ninguém produz açaí para vender caroço. Mesmo comprando um subproduto, ajudamos essas cadeias a se estruturarem. É difícil eliminar todos os riscos em qualquer setor, mas participamos da formalização dos negócios e estimulamos o melhor uso desse produto, que é um resíduo do processo”, disse.
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Ao mesmo tempo em que o açaí é muito valorizado, cerca de 80% do peso da fruta é referente ao caroço, que, sem a destinação adequada, acaba em lixões, aterros ou até mesmo nas vias públicas. Estima-se que mais de 300.000 toneladas de caroços de açaí são descartadas todos os anos. Depois de analisar a viabilidade do material como combustível, em 2018 a Votorantim Cimentos passou a substituir parte do coque de petróleo, um combustível fóssil importado dos Estados Unidos, por caroços nos fornos de produção de cimento.
“O principal desafio da indústria é a descarbonização. Cerca de 40% das emissões do setor como um todo são referentes aos combustíveis”, afirmou Cirilo. De acordo com ele, uma das metas da empresa para 2030 é ter 53% dos combustíveis nos fornos a partir de resíduos, com destaque para a biomassa. “A biomassa, como o caroço de açaí, é o que mais nos ajuda a reduzir as emissões, porque o carbono emitido na queima foi sequestrado durante o cultivo, o que faz com que ele seja considerado neutro”, explicou.
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Em 2022, foram utilizadas 109.000 toneladas de caroço de açaí, gerando uma redução de 120.000 toneladas de CO2 por ano em emissões diretas e um adicional de 276.000 toneladas de CO2 equivalente por ano em metano evitado em aterros sanitários. No mesmo período, a unidade da Votorantim Cimentos em Primavera reduziu em 37% o volume de combustíveis fósseis na produção de cimento.
Além da redução de emissões, a iniciativa tem impacto social e econômico. A demanda pelo caroço envolve produtores rurais que plantam açaí, empresas que trabalham com a despolpa do fruto e fornecedores que coletam os caroços e vendem o resíduo para a fábrica de cimento. Em Santa Rita do Pará, próximo a Primavera, o produtor rural Adriano Silva mantém a Fazenda Ansolo, onde cultiva açaí, há 11 anos. “Antes tínhamos um comércio e a nossa qualidade de vida mudou muito. Não tem coisa mais gratificante do que trabalhar na área rural, temos muita tranquilidade e bem-estar”, disse Silva.
Resíduos com valor
Em 2022, 1,3 milhão de toneladas de resíduos e biomassas foram transformadas em combustíveis alternativos nos fornos de cimento, um crescimento de quase 20% em relação a 2021. Para conduzir essa estratégia, a cimenteira criou em 2019 a unidade de gestão e destinação de resíduos Verdera, que oferece o serviço de coprocessamento para 23 estados no Brasil e garante a rastreabilidade dos resíduos com a entrega de um certificado de destinação. No Brasil, o objetivo é dobrar o volume de resíduos para coprocessamento, chegando a 2,2 milhões por ano até 2030.
Outro exemplo é o da fábrica de Salto de Pirapora, no interior de São Paulo. Atualmente, mais de 30% dos combustíveis utilizados pela unidade são considerados combustíveis alternativos como biomassa, cavacos de madeira, pneus usados e combustível derivado de resíduo (CDR), reduzindo a utilização de combustível fóssil.
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Em julho de 2023, a Votorantim Cimentos se tornou a primeira do setor a assinar um contrato com a International Finance Corporation (IFC) conectado a indicadores de sustentabilidade. O investimento de 150 milhões de dólares será destinado à fábrica de Salto de Pirapora e tem o objetivo de aumentar o nível de substituição térmica e reduzir as emissões de CO2.
A circularidade dos materiais
O esforço para não gerar resíduos — ou seja, não deixar rastros de um processo produtivo em aterros, lixões ou na reciclagem — é o ideal da economia circular. Esse conceito prevê reintroduzir materiais que chegaram ao fim de suas vidas úteis em novos ciclos econômicos para promover a sustentabilidade e eliminar a necessidade da constante extração de matérias-primas da natureza.
O uso de resíduos na geração de energia é um exemplo que demonstra como agregar valor a materiais que seriam descartados e, muito provavelmente, sem a destinação adequada. Dessa forma, no caso do caroço de açaí, ao se tornarem combustíveis, eles ganham valor comercial, passam a compor uma nova cadeia de negócios e suprem uma necessidade que seria atendida com fontes fósseis.
A iniciativa é um ótimo exemplo para diminuir o impacto ambiental de um setor altamente poluente. Além de contribuir com a redução de emissões de gases de efeito estufa, a solução com produtos da natureza estimula a bioeconomia e mostra novos caminhos para uma economia que respeite os limites do planeta.
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