29.08.2021

Cadeias produtivas na Amazônia e os desafios para a sustentabilidade

Nas últimas décadas, setores econômicos tiveram avanços para contribuírem com a preservação ambiental

Fotografado por Jonne Roriz

Foto: Jonne Roriz
Imagem vista aérea de uma floresta.
AMAZONIA – 29/08/2007 – NACIONAL OE – CADERNO ESPECIAL AMAZONIA – INDIOS – EXCLUSIVO – ESPECIAL – Materia especial sobre a Amazonia. Cenas na cidade de Sao Gabriel da Cachoeira onde cerca de 90% da populacao e descendente de indios. FOTO JONNE RORIZ/AE

Veículo de publicação original: JOTA

Data de publicação original: 07/06/2021 

Link de publicação original: https://www.jota.info/coberturas-especiais/amazonia-desenvolvimento-sustentavel/cadeias-produtivas-na-amazonia-enfrentam-desafios-para-se-manterem-sustentaveis-07072021

Entre janeiro e maio de 2021, o desmatamento na Amazônia foi de 615.95 quilômetros quadrados, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O total acumulado nos cinco meses representa um aumento de 67,4% em comparação ao mesmo período do ano anterior, quando 367.79 quilômetros quadrados de floresta foram derrubados. Os números crescentes são reflexo de sistemas econômicos lucrativos que se estabeleceram à margem da lei durante décadas, mas hoje são questionados diante da preocupação com a preservação da floresta em pé para frear o aquecimento global e combater as mudanças do clima.

Enquanto a população da Amazônia Legal, região que abrange nove estados e áreas do Cerrado e do Pantanal, é de apenas 28,1 milhões de habitantes, equivalente a 13% da população brasileira, os produtos gerados ou extraídos na floresta abastecem os mercados nacional e internacional. De acordo com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), entre 75% a 80% da carne produzida na Amazônia fica no Brasil. A mesma realidade é verificada na indústria madeireira: estima-se que 80% da produção é destinada ao consumo interno. Por outro lado, a mineração é um setor relevante para o mercado externo. O Pará contribui com mais de 94% das exportações da região.

O cenário atual dos desafios enfrentados para estabelecer a sustentabilidade é um desdobramento da estratégia adotada durante o período da ditadura militar, quando uma propaganda de 1971 do governo federal usou a mensagem “Toque sua boiada para o maior pasto do mundo” para incentivar a ocupação do território por produtores rurais. O regime ditatorial defendia o lema “integrar para não entregar” com promessas de benefícios para a compra de terras àqueles que se deslocassem até o norte do país. Simultaneamente, para que o acesso fosse possível, estradas começaram a ser abertas, o que estimulou a derrubada de árvores e o mercado madeireiro. No mesmo período, entre os anos de 1978 e 1979, nasceu o garimpo de Serra Pelada, no Pará, que atingiu seu ápice em 1983, com a extração de mais de 17 toneladas de ouro.

Pouco mais de três décadas depois do fim da ditadura, os obstáculos precisam ser superados a galope. Em 2009, quando não havia monitoramento algum sobre as cadeias produtivas, comemorava-se um índice positivo sobre a redução do desmatamento na Amazônia: a devastação havia diminuído 42% em relação a 2008. Mesmo assim, o dado era motivo de preocupação para o Ministério Público Federal (MPF), que vinculou 78% do desmatamento à abertura de pastagens. Naquele ano, foi criado o Programa Carne Legal, para regularizar a cadeia produtiva da pecuária, e foram assinados Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), conhecidos como TAC da Carne, com frigoríficos que se comprometeram a criar mecanismos para rastrear fornecedores indiretos a partir de 2011.

Atualmente, há que se reconhecer que houve avanços, mas ainda há muito a melhorar. De acordo com o procurador da República e presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, que atuou no MPF do Pará na criação do Carne Legal, não é possível afirmar que existe controle real sobre toda a cadeia produtiva na Amazônia. “Há muitos problemas, desde a fiscalização, dificuldades impostas pela pandemia e as mudanças nos órgãos ambientais, que tornaram frágil esse controle. Temos uma necessidade muito grande de uma rastreabilidade mais concreta”, afirmou.

Como mecanismo parceiro do MPF para monitorar a cadeia da carne, o Imaflora mantém a plataforma Boi na Linha, que mostra a lista de indústrias que assinaram compromissos socioambientais nos estados do Amazonas, Acre, Mato Grosso, Pará e Rondônia. De acordo com a coordenadora de projetos na Iniciativa de Clima e Cadeias Agropecuárias, Isabel Garcia Drigo, existe o desafio de escala para alcançar os pequenos e médios produtores. “A grande dificuldade está nos fornecedores indiretos. Precisamos encontrar formas de ter acesso aos dados sobre eles, porque esse gado vai entrar nos frigoríficos. É necessário pensar em regras para a inclusão de todas as fazendas, pois apenas bloqueá-las não será a solução para os problemas”, disse.

Estudos mostram que há áreas abertas suficientes para expandir a produção agropecuária no Brasil. Ainda assim, o Código Florestal permite que 20% de uma propriedade na Amazônia seja desmatada – os 80% restantes compõem a reserva legal. Mesmo dentro da quota permitida para a derrubada, a Moratória da Soja, acordo entre tradings e a indústria de grãos, é mais um instrumento que visa reduzir o estímulo à abertura de novas áreas na Amazônia, pois proíbe a compra de grãos de áreas desmatadas após 2008.

Outro setor em constante discussão é o da mineração, que envolve a questão da regularização do garimpo. Para o diretor de conservação e restauração do WWF-Brasil, Edegar de Oliveira, as principais dificuldades são regulatórias, como concessão de licenças, monitoramento e fiscalização, e combate à ilegalidade, que envolve comando e controle. “Há uma legislação adequada no momento. No entanto, o governo se mostra lento no processamento do licenciamento ambiental e praticamente ausente no monitoramento do projeto licenciado”, afirmou. Além de operações realizadas por equipes do Ibama, Oliveira destaca que a fiscalização por parte do governo poderia ser feita pela Agência Nacional de Mineração (ANM). “O mais urgente seria a informatização do processo de compra de ouro, já previsto em lei desde 2020. O Banco Central teria um papel a cumprir no monitoramento da atuação das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, que compram esse ouro sem maiores requerimentos”, disse.

Ao considerar que o garimpo é uma atividade historicamente praticada por populações vulneráveis, a exemplo do formigueiro humano retratado por Sebastião Salgado na Serra Pelada em 1986, o Projeto de Lei 5490/2020 pretende criar o Plano Nacional de Erradicação da Contaminação por Mercúrio. De autoria do deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), o objetivo é: criar novos protocolos de saúde para a testagem, prevenção e tratamento de pessoas contaminadas por mercúrio, no âmbito do SUS; aperfeiçoar mecanismos de licenciamento e fiscalização da atividade garimpeira; obrigatoriedade da guia eletrônica de transporte e comercialização de ouro; medidas concretas para implementação da Convenção de Minamata, tratado internacional que limita o uso do mercúrio no território brasileiro.

Apesar de todos os esforços para avançar, os índices de desmatamento voltaram a bater recordes em 2021. “Esse desmatamento não surge do nada e não se explica apenas pela indústria madeireira. A extração da madeira é só o primeiro passo para o caminho natural que leva à pecuária”, afirmou Cazetta. Em um estudo divulgado no início de julho pelo Imaflora especificamente sobre a exploração de Ipê, pesquisadores constataram que o volume de madeira em tora extraído mais do que duplicou entre 2007 e 2019, passando de cerca de 230 mil metros cúbicos em 2007 para quase 500 mil metros cúbicos em 2019. Segundo os autores, a exploração da madeira na Amazônia se concentra em poucas espécies: em 2007, 2010, 2015 e 2019, dez espécies responderam por 48% a 58% da produção de madeira em tora da região. Além disso, os novos dados reiteram que a maior parte do que é extraído da Amazônia fica no Brasil: o total de produtos destinados ao mercado exterior caiu de cerca de 74.000 metros cúbicos em 2007 para 30.000 metros cúbicos em 2019.

De acordo com o gerente Florestal do Imaflora, Leonardo Martin Sobral, “não faltam leis e regulamentações para o setor de madeira nativa no Brasil. O que falta é incentivo para a adoção do manejo florestal na Amazônia”. De acordo com Sobral, as concessões florestais precisam ganhar escala e ser mais atrativas, os mercados compradores precisam de melhores práticas de compra e compromisso com a legalidade, as fiscalizações devem ser modernizadas, para se tornarem mais eficientes no combate à madeira ilegal e, por fim, é preciso investir em maior transparência em relação aos dados e informações do setor florestal. Há expectativa pela votação do Projeto de Lei 5518/2020, de autoria do deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que visa melhorar e tornar mais ágil o processo de licitação, permitir que os contratos sejam mais flexíveis e aumentar a viabilidade econômica das concessões florestais por meio de inclusão de atividades sustentáveis, como a geração e comercialização de créditos de carbono, restauração e conservação.

Na Amazônia, desmatamento e pecuária estão intrinsecamente conectados, pois ambos fazem parte do mesmo ciclo que promove a grilagem de terras para a especulação imobiliária. Primeiro, um pedaço de terra é invadido por criminosos. Depois, a floresta é derrubada – árvores com valor comercial são aproveitadas, enquanto o restante da matéria orgânica é destruído com o uso de fogo. Depois, o terreno se torna pasto para gado.

De acordo com a analista de conservação do WWF-Brasil, Bianca Nakamato, que fez parte da força-tarefa para o estudo “A Rastreabilidade da cadeia da carne bovina no Brasil”, lançado pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, a ocupação de áreas desmatadas através da grilagem ou para especulação imobiliária com uma pecuária de baixíssima produtividade é um dos principais problemas dentro da cadeia produtiva da carne. “O consenso é de que precisamos solucionar o problema dos fornecedores indiretos e da lavagem de gado [prática que consiste no deslocamento de animais criados em áreas onde houve desmatamento ilegal para locais regulares]. A invisibilidade dos elos da cadeia gera riscos para os frigoríficos e varejistas”, disse. Além do desmatamento, a falta de dados camufla pessoas que usam da pecuária para cometer crimes graves, como transgressões a direitos humanos, e que mancham o ofício de produtores que seguem a lei, preservam os biomas brasileiros e se orgulham da atividade econômica e do serviço ambiental que é prestado para toda a sociedade.

Jornalista especializada em meio ambiente e sustentabilidade e cofundadora do Nosso Impacto

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