A construção civil é responsável por 37% das emissões globais de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, o setor tem grandes desafios para promover a descarbonização nos seus processos.
Isso é o que diz o relatório “Materiais de construção e clima: construindo um novo futuro” lançado no dia 12 de setembro pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em parceria com a Universidade de Yale e a Aliança Global para Edifícios e Construção (GlobalABC).
No Brasil, o setor representa apenas 4% das emissões nacionais. Ao mesmo tempo, há muitas oportunidades para desenvolver práticas que gerem menos impacto ao meio ambiente. Segundo um estudo divulgado pelo United States Green Building em 2020, o Brasil ocupa a quinta posição no ranking mundial de projetos sustentáveis.
De acordo com o coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima (OC), David Tsai, o maior desafio para as empresas do ramo é implementar a descarbonização nos seus processos.
“Os materiais utilizados são muito intensos no consumo de combustíveis fósseis. Eles demandam combustíveis fósseis tanto para processar a matéria-prima extraída da natureza, quanto para transformá-la no produto que será usado na construção”, aponta.
Para o fundador da empresa de investimentos em construtechs Terracotta Ventures, Bruno Loreto, o Brasil tem a vantagem de contar com uma matriz energética limpa, movida principalmente a hidrelétricas.
No entanto, ele destaca que a construção civil “também é um setor que tem menos capital de investidores privados quando comparado a países desenvolvidos”. Isso faz com que a “pressão por políticas em prol da descarbonização” seja mais lenta.
Segundo Loreto, um dos desafios para aplicar práticas sustentáveis está relacionado aos custos de novas tecnologias. “É necessário que a conta feche e o empresário veja quanto ele pode economizar de forma direta ao adotar tais inovações.”
De forma geral, o documento do PNUMA recomenda que as empresas reaproveitem estruturas de edifícios existentes. Segundo o estudo, a produção e a utilização de materiais como cimento, aço e alumínio carregam uma grande quantidade de carbono. O reaproveitamento gera 50% a 75% menos gases de efeito estufa do que as novas construções.
Vale lembrar que o concreto e o aço nem sempre foram a base da construção. A madeira, por exemplo, é um dos materiais mais antigos da história. Agora, na busca por soluções sustentáveis, o material começou a ganhar destaque no Brasil.
Para a diretora de marketing e sócia da Noah Tech, Cintia Valente, o material contribui significativamente para a diminuição de gases poluentes na atmosfera. A startup aposta na madeira engenheirada para oferecer soluções tecnológicas para a construção civil.
“A madeira estoca, em média, uma tonelada de carbono a cada metro cúbico. Além de ser uma construção ecológica, a tecnologia empregada permite que seja uma obra com quase nenhuma geração de resíduos, algo que hoje chega a ser de até 25% em uma construção tradicional não industrializada”, ressalta.
Ainda assim, o maior desafio está na resistência por parte dos brasileiros em usar a madeira em construções. “Por conta da característica cultural, não há muitos profissionais com o devido conhecimento sobre a madeira e suas possíveis aplicações”, conta.
Na direção da diversidade de materiais, outra solução sugerida pelo relatório é explorar as possibilidades com bambu, biomassa e, justamente, com a madeira. Essa transformação – que precisa de apoio político e financeiro – pode gerar uma redução de 40% nas emissões em algumas regiões até 2050, segundo o PNUMA.
Pesquisas com materiais de construção alternativos já são uma realidade no Brasil. Um estudo do Núcleo de Desenvolvimento Amazônico em Engenharia da Universidade Federal do Pará (UFPA) mostrou que a polpa do fruto do murumuru, quando misturada com cimento, produz um concreto mais sustentável, com maior durabilidade e melhores propriedades físicas, trazendo benefícios para o meio ambiente e para a construção civil.
Em paralelo à iniciativa privada, é essencial ter apoio do poder público para que o setor se transforme de forma estrutural. Neste ano, o ministro da Fazenda Fernando Haddad apresentou o Plano de Transformação Ecológica, uma proposta que tem como objetivo regular o mercado de carbono e desenvolver a infraestrutura verde, que seria o conjunto de obras de desenvolvimento urbano feitas com boas práticas ambientais.
Além disso, o projeto também foi mencionado no discurso do presidente Lula à Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. “Com o Plano de Transformação Ecológica, apostaremos na industrialização e infraestrutura sustentáveis”, afirmou.