24.04.2023

Startup brasileira ganha prêmio no SXSW por inovação em gestão ambiental comunitária

Plataforma de rede social funciona como uma zeladoria coletiva e envolve moradores no cuidado com a separação de resíduos e a limpeza das ruas
Foto: Pawel Czerwinsk/ Unsplash
Imagem de uma fileira de latas de lixo coloridas alinhadas contra uma parede.

Ao assumir um contrato de limpeza urbana em cidades do Paraná, o empreendedor Marcelo Crivano descobriu que a produtividade dos garis era extremamente baixa e que os funcionários, muitas vezes ignorados por pedestres nas ruas, viviam isolados da sociedade e distantes de suas comunidades de origem.

Enquanto isso, as redes sociais da empresa começaram a receber uma enxurrada de reclamações que nada tinham a ver com as responsabilidades da companhia, como relatos de vazamento de esgoto, falta de iluminação pública e necessidade de poda de árvores.

Quando Crivano identificou as regiões de onde vinham as reivindicações e os endereços de residência dos garis, ele percebeu que os dois mapas eram exatamente iguais. “Ou seja, os funcionários saíam cedo para trabalhar nas áreas privilegiadas e voltavam no final do dia para os bairros com problemas a serem resolvidos”, disse.

A somatória de demandas formou o embrião do projeto AMA, sigla para “agentes do meio ambiente”. Desenvolvido pela empresa Smart Citizen, de Curitiba, a companhia foi a primeira brasileira premiada pelo SXSW Pitch, competição da South by Southwest, maior festival de inovação do mundo, realizado em Austin, nos Estados Unidos.

O AMA conquistou o prêmio na categoria “Melhor Empresa Bootstrap”, destinado a negócios que ainda não receberam nenhuma rodada de investimento. A proposta brasileira concorreu com 42 mil participantes de 110 países que apresentaram 613 iniciativas.

APOIO COMUNITÁRIO

Em 2019, para começar um protótipo do AMA, cinco garis funcionários da empresa de limpeza urbana ficaram responsáveis pelo cuidado das áreas em volta de suas casas.

O trabalho consistia em varrer, limpar e tirar o mato de terrenos, por exemplo, mas o vínculo com a comunidade foi além: os vizinhos paravam na rua para conversar e a prosa se tornou um momento de educação ambiental, com dicas sobre como separar os resíduos e fazer hortas em casa.

 “A primeira coisa que percebemos foi que a pessoa deixou de ser um gari e se tornou um líder, uma referência para os outros vizinhos”, disse Crivano.

Mães esperavam o gari passar para que as crianças andassem acompanhadas até o ponto de ônibus, moradores do bairro separavam latinhas e óleo de cozinha para vender os produtos, e uma senhora aumentou a venda de salgadinhos caseiros em 500%, porque ela passou a ser conhecida pelos vizinhos, que decidiram ajudá-la depois de verem o que ela fazia para cuidar do ambiente de todos.

Mulher de camisa azul ajoelhada para pegar lixo.

“Tivemos um estalo e entendemos que em volta do líder local se criava uma comunidade e uma microeconomia que gerava troca entre as pessoas”, explicou Crivano. Além da convivência entre vizinhos, aqueles que se propuseram a ser os líderes de cada região passaram a ganhar R$ 1.100,00 por mês, pagos pelas prefeituras.

Porém, em 2020 chegou a pandemia de coronavírus. A essência do AMA era a presença física dos líderes com os vizinhos, e essa característica não poderia mais ser a base do projeto.

Para manter a conexão entre a comunidade, a solução foi criar uma rede social fechada para os moradores dos bairros contemplados pelo AMA e uma espécie de gincana com base nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, os ODS, que manteve o engajamento entre os moradores.

Com tarefas divididas por semanas, o aplicativo se tornou um programa de educação ambiental. Os integrantes precisam concluir tarefas, postar na rede social e, em troca, recebem pontos que podem ser usados como cashback.

“Funcionou ainda melhor. Os vizinhos e os líderes se integraram mais e vimos que estava surgindo um novo negócio, algo que não tínhamos encontrado em nenhum outro lugar do mundo”, afirmou Crivano.

EDUCAÇÃO CLIMÁTICA

As tarefas do aplicativo são relativamente simples. Em uma ocasião, o desafio era fotografar a geladeira da residência, incluir uma tag com a idade do eletrodoméstico e postar o conteúdo na plataforma.

A atividade permitiu a criação de um mapa com geolocalizações que mostra quais bairros têm as maiores concentrações de geladeiras com mais de 15 anos de uso, e quais áreas têm geladeiras mais novas.

A diferença entre as gerações dos produtos determina o quão poluentes eles são. Com esse tipo de informação, passa a ser possível fazer um inventário de emissões de gases de efeito estufa e levar ações de combate às mudanças do clima para dentro de casa.

Uma pessoa segurando um celular ao lado de um pote com sobras de alimento.

O desafio com maior adesão na plataforma foi a realização de um experimento em família para simular o efeito estufa, que causa o aquecimento global. A missão era deixar dois copos com água sob o Sol, tampar um dos copos e depois sentir a diferença entre as temperaturas.

“No começo, achei que seria meio bobo por parecer uma atividade de quarta-série. A gente acha que todos tiveram a mesma experiência escolar que a nossa, mas não é bem assim. O experimento foi um estouro”, contou Crivano.

Na rede social do AMA, as pessoas postavam “agora entendi o que está acontecendo”. Para Crivano, essa virada de chave é essencial: a transformação do comportamento acontece quando há o assunto em questão é compreendido. “Ninguém muda só por pedir. As pessoas mudam quando criam a consciência e a cultura”, afirmou.

REPERCUSSÃO INTERNACIONAL

Os resultados obtidos com o AMA chamaram a atenção do público estrangeiro antes do SXSW, mas o destaque após o evento nos Estados Unidos levou o projeto a outro patamar.

Além de conquistar novas cidades no Brasil, o objetivo é conseguir investidores para desenvolver a tecnologia para os mercados norte-americano e europeu.

“O modelo que criamos é inédito, que descentraliza a governança ambiental nas cidades. Toda a população se envolve no processo. As reclamações nos serviços públicos caíram, pois os moradores falam com os líderes das suas regiões e os problemas se resolvem ali”, disse Crivano.

Segundo Crivano, a equipe da Smart Citizen identificou mais de 50 programas comunitários nos Estados Unidos nos quais o AMA poderia ser aplicado. Para ele, o trabalho de expansão será de médio prazo.

“Acredito que daqui a dez anos esse tipo de projeto comunitário estará totalmente disseminado. O resultado social e ambiental é muito grande, além de ser carbono zero”, disse.

Jornalista especializada em meio ambiente e sustentabilidade e cofundadora do Nosso Impacto

Gostou das histórias que você viu por aqui?

Inscreva-se para ficar sempre em dia com o melhor do nosso conteúdo.

Mais histórias em

Foto: Claudio Bezerra Melo/ Embrapa
O estudo aponta para um retorno financeiro em até 12 meses, com um aumento de 152% após três anos
Foto: Casey Allen/ Unsplash
Os sambaquis eram compostos por animais de diferentes ambientes como praias, mangues, pântanos e florestas
Foto: Karl Greif/ Unsplash
A tecnologia pode servir de alternativa para o rastreamento de pescados e evitar a chegada de produtos contaminados