Rafaela Forzza é bióloga e coordenadora do projeto Reflora, lançado em 2010 pelo governo federal, que tem como objetivo principal o resgate, através da transmissão de imagens em alta resolução, de espécimes da flora brasileira depositados em herbários estrangeiros.
A bióloga também é coautora de um estudo publicado em 2021 na revista científica Nature Plants, em que se constatou que 47% das plantas das Américas nunca foram fotografadas. Ainda, ela participa de expedições e viagens que visam a descoberta de novos espécimes vegetais.
Em 2023, a pesquisadora foi a vencedora da medalha José Cuatrecasas de Excelência em Botânica Tropical, concedida pelo departamento de Botânica do norte-americano Museu Nacional de História Natural Smithsonian aos botânicos internacionais “que têm contribuído de forma significativa para o avanço do campo da botânica tropical”.
Leia, a seguir, a entrevista com Forzza:
Qual a importância de se resgatar as imagens da flora brasileira depositada fora do país? Quando essas plantas começaram a ser catalogadas, a grande maioria dos naturalistas era da Europa. Então, eles levavam as plantas de volta para os museus e herbários europeus. Durante séculos, os naturalistas brasileiros que precisavam ver essas espécies, coletadas nos séculos XVIII e XIX, tinham que atravessar o Oceano Atlântico. Por isso, o repatriamento feito pelo projeto Reflora é um avanço enorme. O principal ganho que tivemos com o resgate dessas imagens foi ter o acesso facilitado a diversas espécies essenciais ao nosso trabalho.
Por que é importante preservar a flora? Vou usar uma frase bastante conhecida: nós, seres humanos, temos que entender que, sem plantas, não há vida neste planeta. Elas são a base da nossa alimentação, do nosso vestuário, dos nossos móveis… quase tudo de que precisamos para viver vem desses seres vivos, que habitam a Terra desde muito antes de nós. Ainda assim, eles têm tido seus habitats destruídos pela nossa incapacidade de olhar para eles com o respeito que eles merecem.
O que torna a flora brasileira única? O nosso diferencial é sermos o país com o maior número de espécies de plantas do planeta. A nossa biodiversidade é muito grande. Isso nos torna – ou deveria nos tornar – ainda mais responsáveis com a nossa flora. Cerca de 50% das espécies de plantas que ocorrem no Brasil são vistas apenas aqui. Assim, ou as protegemos, ou elas sumirão do mundo.
Qual a parte mais difícil de se preservar a flora? Qualquer questão ambiental hoje no Brasil é muito difícil. Existe um modelo econômico de ocupação do território a qualquer preço que acarreta na destruição de florestas, o que é muito grave. A flora está sendo dizimada. É muito complicado, dentro e fora das unidades de conservação. A legislação é boa, em grande parte, mas a punição para quem faz algo de errado demora muito para chegar. O nosso grande desafio hoje é conseguir punir essas pessoas.
Como a tecnologia contribui para a preservação da flora? Antes do Reflora, já tínhamos colocado em prática outras tentativas de repatriamento dessas espécies. No entanto, trinta anos atrás, isso se mostrou muito difícil. Agora, vemos que a tecnologia nos beneficiou muito, reduzindo o custo para a transmissão de informações e imagens nas quais nos baseamos para estudar.
Os recursos brasileiros atualmente alocados para a preservação da flora são suficientes? Não. Os recursos alocados pelo governo brasileiro estão muito longe do ideal para sermos um país ambientalmente justo. O que temos é uma população mínima que destrói esses recursos, enquanto a maioria faz mau uso deles e não os aproveita. Hoje, somos poucos tentando salvar a flora brasileira. Os recursos são poucos também. Fica muito difícil frear esse processo de desrespeito à natureza. Isso sem falar na falta de educação generalizada para as questões ambientais. Tudo isso junto torna complexo conseguirmos salvar a flora para as próximas gerações.
De quem é a responsabilidade de preservar a flora para as próximas gerações? De todos. Cada um tem suas atribuições. O setor privado tem toda uma legislação que envolve manejo florestal, por exemplo, e que exige cumprimento. O problema é que ele muitas vezes não segue essa legislação, tentando burlá-la, com frequência, em nome do imediatismo. Cabe ao governo, em suas três esferas, fazer com que a legislação de conservação ambiental seja cumprida, multando e punindo quem não a cumpre. A população também tem seu papel, baseado na educação ambiental.
O que falta ser feito em termos de educação ambiental? Falta ação na educação como um todo. Pessoas mais esclarecidas podem ser mais abertas e abraçar a causa ambiental. Não é uma regra; conheço muitas pessoas simples com mais conhecimento ambiental do que pessoas com nível superior e graduadas. Para as plantas, as pessoas se empolgam ainda menos do que com animais encantadores, o que torna complexa a sensibilização da população. É a chamada cegueira botânica: muitas vezes, não olhamos para a importância das plantas. Vemos folhas e frutos como sujeira nas ruas, por exemplo, o que está muito equivocado. Um grande desafio será mudar a forma como a população encara as plantas.